sábado, 25 de abril de 2020

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

DIANTE DE MIM




Abaixo de mim, os pés
a ponte com estacas cravadas na areia
pela qual passamos sem bem
              nos conhecermos
Em torno de mim esse arquipélago vão
                      no meio de águas turvas
                        cujos nomes variam
                                    numa mão
Avistada nos amplos horizontes que desenham
                        morros brandos
os quais tendem a desaparecer em dias de neblina

Atrás de mim o peso de quem aceita fardos
            para pagar injustiças
                        nunca por mim cometidas
Abaixo de mim calçados escondem cicatrizes
                                    rasgos reais
ganhos na pele por ter dado
                        uma preferência que devia ter sido minha

Frente a mim o café sobe
As pinturas dos abismos
mordidas no queijo
páginas de cem cadernos
contagem sem números de uma vida
marcas e traços a serem
no futuro decifrados

No sonho,
teu poema  antecede a noite fria
            sorte estar no acolher das cobertas mornas
                        que fazem a morte sempre próxima  deitar em nuvens
No sonho,
uma profusão de conchas e moluscos
num mar raso e límpido que chego após
decolagens imprevistas
praia onde jogo carnes para serem devoradas
fazendo pequenos siris aparecerem
Abaixo de mim
Deixo de recolher tesouros culinários
Itens de coleção, porque estão vívidos e pulsantes
E tenho, uma bandeja de mexilhões agora congelados
Que me obrigam acordar
Nas permanências de meu pequeno lago distante

Acima de mim arco-íris e pássaros
                                    que quando perdidos dentro da casa
               aceitam a salvação das minhas mãos
mesmo que no torso
incomode o pus de uma queimadura
Dentro de mim essa inquietude ardente
                   povoada por muitos livros
precipitada a palavras que tanto magoam
                   os que nunca as compreendem

Adiante de mim, incógnitas
            histórias sem argumento
     personagens ainda não formados
tudo o que será vivido
e
por mais que se planeje
                                    agora não cabe
                        em verso algum
    se não o do instante
            em que o todo se esfacela
no presente infinito diante
              do qual se escreve







sexta-feira, 14 de julho de 2017

Da morte das mães



No céu, muito alto, aqueles grandes pássaros, em pleno zênite da avenida. Corte reto no alto do que já foi chamado Morro das Cabras. Hoje o caminho que faço de moto. Essa maravilha de condução que por uns instantes nos permite olhar para o infinito no meio das tantas barreiras erguidas dentro da cidade. Voavam em círculos, eu subi novamente meu rosto envolto no capacete para ter a certeza de que eram urubus sobre minha cabeça. Sonhei em ser cadáver, mas segui meu caminho viva, sempre com olhos para frente e sentidos atentos para todos os lados, pensando que se morresse nessa semana com quase todas reuniões institucionais possíveis e num dia de Conselho seguido de Plenária, a culpa poderia recair sobre o Departamento, com respingos na Direção. Por mais exaustiva que seja a minha atual condição de coordenadora, seria injusto dizerem que me acabei no asfalto porque o trabalho está demais. Que a instituição nos mate, de muitas maneiras, a morte que nos livra dela é algo totalmente diferente. Morrer de verdade jamais terá explicação. Isso tudo acontecia justo entre a Fernandes Vieira e a Felipe Camarão. E minhas filhas... Quem molharia as plantas, limparia areia de gatos? Na sinaleira antes da Ramiro, em segundos que parecem horas, vieram a mente xs orientandxs e as singularidades pelas quais me arrisco deixarem expressar. Quem pegaria esse povo? Nem estava passando pela  Praça quando pensei que ainda não dava para morrer hoje, mal comecei a traçar um testamento, estou com umas sete pinturas inacabadas, o romance Magistério do Raio incompleto, sem revisão. Desci a Miguel Tostes depois de passar pelo número 5 da Mostardeiro com o coração batendo forte. Morrer é inviável porque não conseguiria ficar longe do Ricardo, por mais que a ideia de estar morta seja de altíssima sedução. Segui sentindo na pele o calor atípico, sensação maluca quando se levanta ainda escuro sem sofrer de frio. O tanque quase vazio da motoca atesta o quanto um inverno foi enganado, pelo menos por esses últimos e abafados dias. Entre um compromisso e o seguinte, quando fui trocar de duas para quatro rodas, tinha meia hora para ler mensagens. Não consegui escrever nada quando num dos meus grupos de mães fiquei sabendo que uma companheira nossa havia morrido. Local do velório, hora do enterro. Era uma mãe que há  nem um ano atrás estava sentada comigo conversando sobre porções de salgadinhos. Uma mãe com filhas nas idades das minhas, uma mãe da qual se sabia das dificuldades  e da doença, mas há tantas dificuldades e doenças em todas nós que jamais podemos imaginar o quanto uma mãe um dia pode deixar de estar ali. As mães estavam escrevendo mensagens emocionadas, todas pensando nas filhas, na fragilidade da vida, havia muita comoção. Minha própria filha me disse que em nenhuma outra idade como a dela uma filha precisava tanto de uma mãe. Uma criança se apoia em outros, ganha outras mães, um adulto aguenta no osso, está na ordem das coisas perder a mãe. Abraçada em minha filha, contei de uma grande amiga que tinha perdido a mãe na adolescência, realmente parecia difícil. Porém eu tinha que voltar para a rua, mas até a hora de dormir minha filha não quis ficar longe de mim. O por-do-sol foi limpo, alaranjado, brilhoso como os olhos daquela mãe, a Rosi de olhos grandes e claros, que tão precocemente nos deixava. Estranho cair de esfera luminosa, dia tão quente acabando cedo, eu vendo o sol justo sobre meu morro, num ponto alto mais longe, a lista de tarefas aumentando, a dificuldade de trabalhar instalada na luz indo embora. Agora é noite. O corpo cansado desperto pensando no ir e vir de amanhã. Propício poder compactar meu deslizamento em tão mecânica montaria, cumprir com tudo na velocidade da roda menor. De qualquer maneira, andando com as pernas ou pilotando, não há descanso enquanto não se atender a tudo que nos compete. Num átimo de visão, em pleno trânsito, tinha eu mesma desejado aquilo que logo a necessidade maior impossibilitou. Procuro palavras para entender a sincronia entre ter me visto morta, em plena Independência, e a mãe que no mesmo dia morreu.  Embora a morte esteja sempre tão perto, há dores em quem vive que fazem com que morrer possa parecer algo muito longe.

terça-feira, 4 de julho de 2017

FRÁGIL, conceito de 2009, escritos nunca antes publicados...

Quando uso o termo FRÁGIL brinco. Porque sabemos que dar qualidade a qualquer coisa é sempre correr o risco de se equivocar. Frágil é um adjetivo. Mas também é um alerta nas caixas dentro das quais coisas que prezamos permanecerem inteiras são guardadas. De algum modo este alerta se torna um signo. FRAGIL indica a condição mesma de um objeto, embora o que se tenha é apenas uma caixa. CUIDADO. Há um conteúdo precioso, mesmo que sejam apenas ovos. Frágil, portanto, está implicado num valor. Valor, bem sabemos quando acondicionamos uma porcelana ordinária tão cara a nossa alma, que passa longe de estimativa monetária e do valor mercantil a que qualquer corpo ou objeto se submete. O valor daquilo que pode ser frágil, como bem sabemos que é a vida, passa longe de preços, pois é um apreço que somente nosso pensar e aquilo que nos faz bater o coração pode exprimir.
Desapego é o que tentamos quando algo querido se espatifa. Nem sempre é fácil, afinal, nos apegamos no pressentimento da eminente extinção daquilo que queremos. A poesia desse FRAGIL mostra exatamente isso: cuidado, embale, carregue com atenção.
Ventre prenhe.
Respiro. Há algo mais frágil do que os alvéolos? As doenças nos colocam numa relação com a fragilidade da vida. Na impermanência da carne acumulamos nossos arquivos. Os que não querem provas da nossa paixão talvez destruam tudo. Mas nossa paixão resiste em arquivos que nem são nossos. Quem ama sangra e isso de alguma forma sempre volta. Num amor exaurido de forças, cheio de valor, num apreço sem tamanho, em forças sem dimensões. Pode se dizer que amor assim é forte, mas o que dele temos não passa de carne famélica por eternidade. E se eternizar pelos outros é o destino de todo e qualquer amor. Seja gerador de filhos, seguidores ou leitores ocasionais. Amor entre corpos, amor que nem sempre está perto da carne, amor que faz da carne texto. Mordo a língua para sentir a consistência muscular abaixo da pele aveludada.
Devia começar com a fragilidade do que fica entre. E não é bem uma coisa e nem outra. Os críticos acham isso muito vanguarda, mas estar entre dispõe o corpo a cair nos abismos que cortam um campo de outro. No meu caso, a arte e a educação. Por mais pontes que existam nessas áreas, aquilo que as sedimenta é completamente diferente. Podemos partir de qualquer tempo da história da civilização e ver como se vivia a arte, encontrar diferentes conceitos de arte, e perceber como a educação se fazia somente em função do desenvolvimento de artes. Mas hoje, institucionalizada, a educação tende a se configurar longe das artes, da cultura, da vontade que cria. Obrigatória, submete quase toda população mundial num modo de vida escolarizado, confinado a decorações e condecorações na maior parte das vezes inexpressivas e inúteis. Mas as escolas estão aí, as instituições educacionais são modelo de civilidade e progresso social, ficar longe delas e não fazer nada para mudar seria covardia demais para quem a Educação compete.
O que vem a ser educação não é algo tão fácil de responder, assim  como o que vem a ser arte.
Única coisa que um artista sabe é que melhor seria só fazer artes.
E uma saraivada de mitos cai nos slogans toda hora: “ninguém vive de arte”, “arte não serve para nada”, “arte só vale para entendidos”, “a obra só existe se houver público”.
Quem escolhe ser professor?
É uma falta de lugar. Essa que todo mundo que vive, principalmente quando num planeta os números da população começam a ficar desproporcionais à quantidade de área. Espaços possíveis de serem habitados, lugares onde é possível viver.
Territórios, se fossemos usar o conceito de Deleuze e Guattari. Aqui, mais que política, esse lugar de vida é poiesis. Tem a ver com o conceito de dobra, o conteúdo da expressão, o desenvolvimento de um estilo e uma série de coisas que dizem da arte, da vida e da educação. Porque somos educados, não apenas nas escolas, a viver em determinados tipos de espaços. São espaços públicos, institucionais, domésticos, mais ou menos perto de elementos da natureza, construídos de diversas maneiras, apresentando estilos de arquitetar e modos de vida. Marcados pelo tempo dividido em horários e períodos, que podem variar, mas mantém um ritmo de preenchimento de populações específicas em determinados espaços, como os urbanos, configurados pelo trânsito de uma quantidade de corpos e os espaços de circulação restrita, como prédios públicos e edificações privadas, onde seríamos capazes de listar os corpos encontrados. Essência da percepção humana, podemos encontrar fragilidades em todos os espaços. Frágil é sempre o humano à mercê de seus fluxos.
Não trato de territórios, embora esse lugar frágil dessa concepção se aproxime, porque o que falha aqui não trata de combates, dominação de uma língua, análise de discursos. Trato de uma prática e essa, ainda que viva no institucional, não vive senão em espaços ínfimos como caixas, malas, gavetas, armários, arquivos. Coisas que se guardam.  Frágil é abrir pastas para preparar uma aula. Não que pesquisar nos livros seja algo mais forte. Na percepção das coisas em certos espaços a única força que faz valer é suportar a falta completa de espaço. Existe algo mais frágil e sujeito à extinção do que o arquivo que exige uma conservação rigorosa e que está ocupando espaço pelo que ansiamos como novidade?

-->

terça-feira, 13 de junho de 2017

NOVO HORIZONTE




Uma imensidão, muita terra, horizonte amplo, terra e terra de mato e campina. Estradas de chão, mato, casinhas, a felicidade de Lupicinio podendo entrar no peito e ficar. Fartura fotográfica. Itacolomi ao longe, morro do Chapéu,  toda a geografia do Gravataí estendida num olhar. Difícil relatar intensidades que não cabem num roteiro. Uma sede de alvenaria, quase nada dentro, uma chave que não se conseguiu. Pessoas simples, fortes abraços. Um jovem, por compromisso, traz o som. Crianças, um galpão de madeira, crucifixo, alegres crianças receptivas. Pia sem água. Primeiro dia de sol depois de muita chuva. No estio, jovens desaparecem. Conversas em roda, apresentações.  Dificuldades que as desculpas não nos trazem o tamanho. “Talvez tenham ficado sem roupas para vir”. O problema, nos diz o líder, é só quererem saber de televisão. E o saber vem de uma programação aberta, essa que não temos visto há mais de quinze anos... como saberemos de seus saberes? A suposição de que o problema dos jovens era excesso de redes sociais supôs aquilo que se põe no estreito horizonte de nossas ruas densas e casas apinhadas. Os jovens que eu tenho não são aqueles jovens de lá. Mas não há certezas. Largar os planos, não ter mais nenhuma hipótese, improvisar com o que se apresenta. Nunca tinha usado a Teia como mote assim, para dizer da arte a partir de algo que há mais de vinte anos põe a arte em questão. As crianças fizeram acontecer. A boa vontade dos adultos é gigante. A chegada dos livros, a intervenção da Clô, tudo animado e providencial. A tela de projeção é uma toalha branca com suave textura. Sem o Davi teria sido impossível sincronizar vídeo e som. Apesar de muitos testes, inclusive com o projetor emprestado pela Teresa,  tudo sempre certo, a apresentação animada no meu computador inexplicavelmente tranca. Sem toda minha experiência em escola básica poderia ter sido desesperador, mas isso é nada para quem já deu aulas para gente de 13 anos em ex-banheiros, em salas improvisadas embaixo de escadas, sentindo as dores do parto. Seguimos como dá, os entusiasmados infantis, os interessados em ajudar e os que pedem que algo novo aconteça por lá. Três jovens calados perante a muitas crianças e pré-adolescentes que se encantam e interagem até com palavras complicadas dizem muito. O tempo que esperamos para começar pareceu muito perto do tempo, não contado, em que tudo se desenrolou. Só os dez minutos de vídeo, que para Naia pareceram muitos. Ninguém lá sabia quem era Philip Glass. De repente até para mim o som ficou terrivelmente estranho, inadequado. De qual planeta viemos? Pequenas grandes aprendizagens. A música chamará pessoas, talvez com um show os jovens venham. “Gostamos de música nativista”. Arrumamos o espaço, recolhemos o equipamento. Esqueceram de oferecer o bolo, mas comemos um pedaço, contrariando prescrições. As bananas que ganhamos, deliciosas. Não fui dar uma aula, não fui dizer o que é arte, fui aprender. Pego enxada para fazer um canteiro de jardim, mas pouco sei de lavouras e de mãos calejadas que não percam os calos depois de quinze dias só teclando. Sempre acho que poderia ter dado muito mais, mas como “a senhora tem que voltar”, isso apenas parece um começo.  

Era para ser a primeira oficina de um ciclo. Não sei se foi. Era para ser  Arte e suas conexões diversas. 

Ministrante: Paola Zordan e colaboradores (alunos Artes Visuais/UFRGS)
Público alvo: jovens da comunidade, entre 12 e 17 anos
Número de participantes previsto: 25
Data e horário: 27 de maio, das 14h até 17h
Materiais necessários: giz, carvão, projetor, som, vídeo, música e TEIA

Momento 1: performance, sonora visual (15 min)

ppt animado – 7 min
palavras disparadoras

GEOPOÉTICAS - fazer – pensar – matéria – relações – aprender – corpo - transformação – alargar – descobrir – MICROPOLÍTICA - aglutinação – demonstrações  -  movimento   conexões  - desejo – vontade – colaboração

Entrada dos corpos performando sobre a projeção – imagem da TEIA – 3 min enredamento da TEIA na ação – 5 min

Momento 2: apresentações em roda- (30 min)

Breve explicação da obra teia, seu modo de uso e abertura de possibilidade para quem quiser intervir na superfície ao longo da conversa/ Apresentações dos participantes: nome, idade, o que gosta, interesses - incluindo Naia, Paola, demais Propsperartianos e acadêmicos das Artes Visuais  que estiverem presentes.  

Momento 3: dando corpo a proposta – (20 min)
Apresentação da proposta dos encontro com ARTE pela Naia – 5 min
Palavra-chave: INTENÇÃO
Incumbência: registrarem suas ações e produções em câmeras diversas
Atividade: escolher um nome para o rol de Oficinas e Festival de encerramento em dezembro. Os jovens escreverão os nomes sugeridos com giz sobre superfícies lisas pelo entorno da roda. Os nomes serão listados e será feita uma votação.

Momento 4: concepções de arte - (40 min)
Tarefa: mostrar onde há arte nos espaços da comunidade. O grupo se dividirá em equipes de acordo com os proponentes e cada objeto ou espaço será registrado – 20 min
Atividade: voltar a roda e mostrar os registros. Conversa das razões pelas quais tais produções, objetos e espaços se tornam arte.

Momento 5: criação de uma página do projeto - (1h)
Ainda em roda, propor a publicação dos registros e aprendizagens das oficinas, assim como registro da exposição final. Decisão de que mídias usar (facebook, twitter, instagram, google +).
Criação da conta.
Divisão de tarefas para a manutenção da página.
Publicação dos resultados da primeira oficina.

Momento final: apreciação da página e anúncio das oficinas que virão – (15min)