quarta-feira, 30 de setembro de 2009

fragmentos para uma síndrome

  1. Superar as mágoas e transformar ressentimento em força são as lidas da paixão. Esquecer quem não aceita as passionalidades e entregas principia novos valores. Mergulhar no outro e absorver seus sumos faz a potência antropofágica que movimenta a arte. Fazer da infelicidade dos amores uma lauta criação é o poder do fado, que, por mais triste que seja, jamais consegue deixar de ser belo.

  1. A tristeza de um destino é pouca partilha e muita solidão.

  1. Não ser amado e viver solitário parece ser a sina dos que se atiram demais ao amor.

  1. Deixar de se divertir é a conseqüência da seriedade com que são tomados os afetos que nos obrigam a trabalhar em função do que somos afetados.

  1. Amar o descomunal, estudar os monstros, receber o mais assustador: o que faz a estranheza daquele de quem os outros se afastam. Pela loucura exigente na bravura das densas investigações que tão poucos suportam. Na insuportabilidade das questões que, por mais bem formuladas, jamais se consegue responder.

“só hoje”

Um “hoje não” fere e depois fica doendo de modo que nenhuma desculpa acaba sendo suficiente para quem “hoje precisaria estar junto”. Dor que ainda aumenta depois de outros “hojes” cheios de silêncios. Como é falta de cuidado e descaso puro e quem feriu nem percebeu, a ferida cicatriza e a dor passa. Mas as marcas do descuido ficam para sempre.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

lei máxima

Sofrer por causa das pessoas é completamente inútil.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

para quem não é bem uma pessoa

As pessoas perdem prazos. As pessoas somem com as coisas. As pessoas abusam da confiança. As pessoas se confundem. As pessoas costumam se esquecer do que lhes é pedido. As pessoas somem sem dar notícias. As pessoas não se comprometem. As pessoas acham que são boas. As pessoas tendem a se desdenharem. As pessoas dificilmente prezam umas as outras. As pessoas querem tudo de graça. As pessoas pouco valorizam o que ganham. As pessoas não agüentam pressões. As pessoas vivem com preguiça. As pessoas só trabalham quando recebem ordens. As pessoas só obedecem quando têm medo. As pessoas lêem pouco. As pessoas gastam demais. As pessoas consomem besteiras. As pessoas não compram arte. As pessoas estão cheias de má-vontade. As pessoas não se importam com os outros. As pessoas temem sacrifícios. As pessoas não sabem o que fazem. As pessoas não gostam de pensar.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Io de Hera

Pintura de Salvador Dalí, Merúrio e Argos, parte dos estudos sobre obras clássicas no período maduro de sua carreira, anos 1970-80.


Mercúrio adormeceu Argos e colocou tudo a perder. A vaca escapou e a deusa ficou sem ela. Sua ira consome as nuvens, sua fome massacra os montes, sua tristeza cria os mosntros que a Terra ainda não engendrou. Os falsos mil olhos do pavão não existem na cauda da fêmea. Recolhida, pranteia o leite que nunca mais abundará.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

vontade de morrer

Um surto faz questionários com alternativas lógicas de imensa solidão para quem pede ser esquecido.

sábado, 5 de setembro de 2009

confiar

Quando o vínculo está além dos percalços e angulações das palavras, dos acontecimentos não previstos, das palavras infelizes, das paixões delirantes que todo e qualquer corpo está sujeito a passar. Trata-se de esquecer as precipitações que só conseguem confundir e firmar as movimentações que unem um ao outro de forma maior do que a dúvida posta em oscilação verbal. Prestar atenção no dito mais surdo, na dor cega e na cisão que as individualidades exigem. Largar a mesquinharia, as comparações, a metragem dos afetos e o peso das disjunções. Confirmar no escrito, na pele e nas paredes, tudo o recobre amores no dia a dia, a confiança perdida por pensamentos obscurecidos na cobrança de uma verdade que discurso algum extrai. Bastaria perdoar as idiotices, aceitar o ridículo das fantasias, os tropeços infantis, os descuidos pueris e compreender a suposta falácia da clareza na convicção de que os fatos, uma vez contados, sempre se tornam outra coisa. Sentir a grandeza do que efetivamente une um ao outro, fora dos dizeres em vão, das interferências nefastas, de tudo o que aparece para, de tanto em tanto, testar quem segue junto.

passa

a pior coisa de nossas vidas é só a pior coisa da vida