quarta-feira, 30 de julho de 2008

Fechado

Sério é acreditar que alguma coisa pode funcionar como chave. Querer entrar onde está fechado acontece na ânsia. Ter paciência para esperar quem abra exige folga no tempo. Arrombar para fugir logo é delito. Seguir em frente é sempre a melhor opção. Quem se detém não vai. Ir adiante é a melhor chance para se encontrar portas abertas.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Moído

Ao lado dele dou boas risadas. Longe, sozinha, choro. Perto demais tira do eixo. Distante é peso morto. Com paixão fica intenso. Indiferente cansa. Lágrimas demais pesam. Muitos risos irritam. Palmas não pagam. Dinheiro nunca parece ser suficiente. Celebrações tendem a ser adiadas. Sacrifícios têm limite. A vida continua. Agora esmigalhada em máquina.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Idas ao Desterro

O pior dos tormentos é a estrada que você é obrigada a tomar mesmo que não queira. Acreditando que quando ela acabar de ser duplicada as piores maldições acabarão, pois você seguirá em paz. Nunca mais espremida entre caminhões soltadores de fumaça. Tentando provar para paulistas carecas que mulheres de cabelos compridos também fazem boas ultrapassagens. Porque tal calvário ensina que uma vez atrás desses monstros pesados você não pode deixar tanta distância que, nas curtas benções dos trechos de duas vias, você não conseguirá deixá-los para trás. Tudo para respirar menos diesel e não sucumbir à agitação das crianças pelas horas prolongadas da viagem. E quando você acha que já não suporta mais traseiras de caminhão, desvios e faixa dupla impedindo ultrapassagem, trevos e rótulas que te fazem andar vários quilômetros a vinte por hora, tudo pára. Por horas e horas sem trégua. E a tortura do trânsito truncado vira os horrores da fila. A primeira hora até parece divertida. Você se espreguiça, curte súbitos silêncios, sai do carro para esticar as pernas. Acaba conversando com o motorista da frente ou de atrás, até faz amizade com o careca que não queria que você o ultrapassasse. As crianças brincam ao ar livre. Na segunda hora você já lanchou o que havia no carro e quando estiver louca para fazer xixi descobre que não há um canto no raio de cem metros onde você não seja avistada por algum caminhoneiro ávido para se divertir com sua cara. Então você percebe que é a única mulher dirigindo dez veículos para frente e cinco para trás, tudo o que é possível caminhar atrás de um local para alívio sem perder de vista as crianças, estrategicamente trancadas no carro para resolver o problema do momento. Você se arrisca barranco abaixo, enfiando o pé na lama, rezando que ninguém perto da casa aonde você chegou após a descida apareça, que sua porta e janelas não se abram e ainda vendo todos os homens olharem para você quando reaparece no acostamento. Porque chegou a terceira hora e você não suportava mais. E talvez ainda existam mais horas, pois as esperanças da segunda ligada dos motores e rolamento de alguns pneus vão por água abaixo quando tudo novamente pára. Embora você tenha andado alguns metros para frente, quase no fim da terceira hora toda a sua vida foi revista e você jura que nunca mais vai fazer esse sacrifício, até que você lembra que já tinha jurado isso na quinta hora do último engarrafamento passado nesse mesmo trecho. E parada, você chora. Porque amar algumas pessoas e ter que dirigir até elas sempre acaba na danação dos atoleiros, em carros estragados, despesas além do previsto, acusações espúrias e cansaço. Agir contra a vontade para não fazer sofrer quem amamos é escravidão. Por amor somos cativos de inválidos, velhos e crianças. Por amar gente mais fraca deixamos nossas vidas só para o trabalho que, aliás, os sustenta. Depois dessa espera absurda você só quer odiar e vai se forçar a isso para nunca mais pegar essa estrada e viver novamente a via crucis reinventada para se atingir um dito paraíso que só existe para quem vai lá egoisticamente desfrutar de uma paisagem cujo conforto só se obtém pagando. E então você trabalha mais e mais para nunca conseguir sanar o desconforto que toda sua vida é, e quando pára numa situação dessas vê que tudo está sendo em vão. Na quarta hora, quando o trânsito lentamente começa a fluir, os quilômetros e quilômetros de carros espremidos entre caminhões que estão parados na contramão lembram esses filmes de fim do mundo e invasões alienígenas, convencendo que o apocalipse acontece por causa da quantidade de veículos. Você reclama da extinção da vias férreas, que mal foram usadas por cem anos e pensa que embora você não seja jovem e só tenha andado de trem em curtos passeios, essa estrada é muito velha e você a pegou muitas e muitas vezes na vida. Rodada por milhões tais qual você, insuportável para todos como é para você, só que para você esse é o caminho dos dilaceramentos familiares de um coração pulverizado em algumas cidades do Brasil.
A pedido de meu ultramigo Julio Cesar Finger, que me ensinou o quanto os quereres do eu nada podem frente à força das circunstâncias.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Passagem luminosa

Uma borboleta branca
Singela e pequena
Raios de sol
Folhas verdes
Luzes que as palavras não captam

Para minha colega do curso de Magistério, Patrícia Monteggia, que deixa esse mundo hoje, mas sempre acompanhará nossa turma M de final 3 com sua alegria tranqüila e jeito doce.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Se fossemos, simplesmente, nórdicos e mediterrâneos...

- O problema, D. Maricota, é que eu, helênica hispânica lusa etrusca gaulesa ligeiramente mourisca com um posterior tempero tapuia fui encontrar o guerreiro e o dono no mesmo corpo. Um germânico romano que só não apunhala a si mesmo porque, antes de mais nada, é judeu e não vai colocar toda sua lucrativa empresa cristã a perder.
- E toca, Sinhá Moça, a preparar as roupas, que ele é filho de Asclépio e precisa se apresentar perfeito.Corre, Indiazinha Velha, a cuidar das ervas que a incensaria tem que cheirar bem. Anda, Dona Coisa Chata, a limpar o chão que ninguém mesmo acaba por nele se deitar. Mas ai que não brilhe a ponto dele passar a língua. Esqueça, nem por todo dinheiro do mundo esse corpo é capaz de saciar o teu. Não chora, Cigana encarquilhada em casarios, um vendedor de cura é a mais interessante invenção de todos os tempos. A jóia que nunca ganhaste é a pele que engrossa nos joelhos e as mãos cada vez mais ásperas. Esquece, só mongóis e africanos sabem fazer mulher dançar. Esse homem criou doenças para não ter mais que guerrear. E aprendeu a ganhar mais com elas do que com as mil batalhas onde o sangue dos povos se mistura.
- Eu me rendi ao Soldado da Rainha, pois nem Salomão no auge de seu templo teve a riqueza das canções que ele acabou por me tirar. Nem David, na sagacidade para derrotar Golias, teve o tino das palavras que eu prefiro verter silenciosamente em riscos.

E assim começa a dor de corno da civilização européia

Por que chorar amores perdidos e casamentos desfeitos se, uma vez latina em qualquer dessas estradas que levavam a Roma, num imprevisto momento, uma horda bárbara qualquer botaria mesmo tudo a perder? Godos, ou qualquer povo para o romano tomado como engodo, com maças, machados e sei lá que ferros destruindo todos os homens do lugar. Pegando sem dó a ti e tuas filhas e arrastando todas juntas numa selvageria hoje inimaginável. Num tempo sem pílulas, histerias e traumas psicológicos. Apenas bravos guerreiros sedentos por comida e carnes menos nórdicas. Mil vezes assim, ser pega de assalto e raptada por bestas loiras do que morrer apodrecendo velha ao lado de um sedentário sem fome de conquista.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Com saudades

Corre, amor, que toda ilusão te reveste em falso e tudo o que sobra é tua pele colada na minha e o gosto único de teu suor. Vai, paixão, que a cada dia tens um nome, um número e uma nuvem impedindo o sol que brilha em teu rosto quando dentro de mim te espraias. Vem, ternura, que a cada passo evita tropeçar e mesmos assim despenca antes de me encontrar. Foge, tesão, porque não podes suportar a intensidade na constância desse encontro. Morra, bem no fundo psíquico que arrastou um para o outro, pois só assim não clamarei teus fluxos e a pressão fervente de teu corpo. Acabe, beleza, para que eu nunca mais sofra da abstinência dos teus indescritíveis beijos.

terça-feira, 1 de julho de 2008

No corpo

Os calos, as juntas, o sebo, os pêlos, as manchas, os poros, as espinhas, as narinas, os ares, os suspiros, os arfares, as vibração, o movimento, as lágrimas, os trinos, o piscar, o agarrar, a prensa dos caninos, a saliva, a queda, as digestões, o pegar, a mancada, a distensão, o corte, o rasgo, os tendões, as tensões, as dores, os calores, os suores, os odores, os tremores, os frios, a ossatura, a gordura, a paralisia, o surto, a tosse, a surdez, a distração, a saudade, a fome, a sede, o sufoco, o regurgito, a rouquidão, o cansaço, a superação, a mudança de posição, o sono, a lascívia, a deficiência, a rigidez, a disciplina, a albumina, a glicose, proteínas, a mitose, as escleroses, as batidas, os toques, os baques, os taques, o machucado, os remendos, os riscos, as tatuagens, os ferros, as jóias, as peles, os couros, as roupas, os sapatos, o esquecimento.