segunda-feira, 30 de junho de 2008

mais uma volta


Intacto baque taquicárdico. Ardente destaque ao sol. Tacadas que não fazem parte de nenhum jogo. Apenas vontade de movimento. Em abraços maiores que o contato, que em almas hiper cinestésicas faz as palavras voarem de qualquer jeito. Nada se fixa. Apenas a consciência de que os dias passam e os anos da vida aumentam. Sem saber se liberamos ou simplesmente esquecemos os amores, sem ter certeza de porquê alguns corpos ficam e outros não, sem nenhuma garantia de ainda ter mais uma rodada, sem a menor idéia de para que tudo isso seja, sem a menor graça senão a do abnegado encontro. Somente porque, possuídos pelos deuses, somos carregados ao toque forte de nossas paixões. Sem a suposição das horas e essa maior vontade de se colocar em trânsito, o dia brilharia menos.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Com Jean Baudrillard

Amor incondicional envolve torturas. Paixões para justificar a pretensão de salvamento implicada em agarrar outro. Seduzir é ter esse pathos sob controle: ganhar o amado sem que ele perceba o quanto pelo amor se perde.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

REAL

Superar na distância
Cair
Sem amor
Além
Dessa vontade
libertadora
Das dores
Que a falta
Dos teus beijos
Provoca
Nesse corpo
ávido
pelo êxtase
que somente
teu gosto
tem

terça-feira, 24 de junho de 2008

O que pode um corpo?

Um corpo pode acordar no frio, muito cedo pela manhã. Um corpo pode se mover e encontrar outros corpos. Pode emitir sons e marcar superfícies. Um corpo pode mascar, engolir e defecar. Um corpo digere. Um corpo expele líquidos por vários orifícios. Um corpo pode querer outro corpo e sofrer as ausências do corpo na medida em que tanto deseja. Um corpo canta. Um corpo dança. Um corpo toca. Um corpo se expande e se encolhe. Um corpo pode gerar outro corpo. Um corpo pode ficar horas agachado numa tenda de meio metro com dezenas de outros corpos no calor da água em volta de pedras efervescentes. Um corpo pode fazer fogo. Um corpo pode ficar nu ao relento, um corpo pode se queimar. Um corpo se quebra. Um corpo atravessa a noite. Um corpo esquece e um corpo lembra. Um corpo dura muitos anos. Um corpo não passa de paixão. Um corpo pode criar imagens. Um corpo pode beijar outro corpo na beira do abismo. Um corpo sempre é arte.

Texto inspirado na mensagem de agradecimento de Daniela Coletti, em nome do pessoal do arranjo 2 das conversações pedagógicas da Rede Municipal de Ensino, na qual a célebre pergunta de Spinoza se compunha com O beijo de Klimt.

domingo, 22 de junho de 2008

Para fazer da vida obra de arte...

... numa perspectiva pós-nietzschiana para mães, professores e todos de quem são exigidos pelo menos um olhar, que perdem a potência quando crianças choram de fome e adoecem de frio, amados precisam de carinho, familiares pedem atenção, empregadas só funcionam com muita instrução, a casa requer manutenção, o carro revisão, a instituição cumprimento de tarefas, alunos clamam por orientação, pareceres e dicas e os demais partículas vitais inspiradoras.

Trabalhar sete dias por semana. Nem Deus. Só esse corpo magisterial burocratizado doutoral maternal doméstico com todos seus inevitáveis erros e acúmulo de funções. Somente superando as limitações divinas, e fazendo das tarefas diversão, agüenta. Salvar-se da vida de Sísifo é consertar os furos e ter fé de que a cada instante os potes ficarão novamente cheios. Porque há multidões que ali vem saciar a sede e banhar-se na água acumulada. O que não dá é chorar quando alguém derrama a água que trabalhosamente neles foi colocada. Mandar buscarem sua própria água parece mais difícil do que encher o pote, que a maioria sedenta traz sempre quebrado e vazio, louca para culpar quem os tem cheio. Amar os Sísifos incorrigíveis é missão cristã. Encher os potes pelo prazer do gozo alheio é dionisismo disfarçado em caridade. Erotizar a labuta é o mínimo.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

tão rápido
o sapo come
mosquito
que não vejo

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Orquidácea de namorados

Nove clitóris proeminentes em penca de purpúreas pétalas aveludadas em cetim. Quisera ganhar em carne o que nessas flores não tem odor.
Um língua as machucaria, seus pistilos esfacelam, não intumescem.
E essa necessidade atávica de capturá-las antes que murchem.






Cartão em branco

Suprematismo minimalista despropositado. Silêncio gráfico. Real ausência de palavras.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

pleno
coração
com duas
concavidades
feminina outra masculina
corpos leitosos
pele fina
fios de ouro
fala douta
uropsiconeurológica
ares
umidades
olhos ferinos
verdes
até que a morte
os cerre

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Sacrifícios

“Não chegamos até nossas autênticas tarefas e nos dilaceramos no melhor tempo de nossa vida com essa excessiva atividade de ensinar”
Nietzsche, em 21 de janeiro de 1871.

(Cf: SAFRANSKI, 2005,p. 329).

terça-feira, 10 de junho de 2008

domingo, 8 de junho de 2008

O extemporâneo da produção intelectual

O que verbalmente se desenvolve perde a graça quando vai se colocar na escrita. Já está dito e não há a menor alegria em reconstruir a dança do pensamento falado num texto. O que se escreve, quando vai ser dito, amortece o entusiasmo do discurso. O que é belo em grafia nem sempre soa bem falado. Apresentar construções com mais de uma semana perde o sentido, pois a cada dia vivido, o que foi pensado vai sendo revirado até virar outra coisa. Pensamento vivo não reconhece o passado, nem o futuro ou o presente. Fora do tempo, tem as palavras apenas para caber nele.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Comunidade rural

Um gato no pátio. Branco e preto. Céu nublado. Roupas estendidas nas cercas. Barulho de pneu no asfalto, longe. O gato em cima do mourão. Um vira-lata. Há latas? Galinhas ciscam. Um mugido de vaca. Solo argiloso e arenoso. Revoadas e pios. Entre árvores, atrás de varais, a vaca diminuta. Escura. Mandioca, bananeiras, cinamomos. Choro de criancinha nas casas em volta da escola. Pequena. Atividade fílmica. Roseira seca cheia de frutos. Esferinhas alaranjadas. Um gatinho cinza, quase ainda um filhote. Lobuno, diz a professora. Aluna. Essa árvore meio arbusto de folhas vermelho escuro, sem nome, cheia de gotas prateadas. O vira-lata cruza na área. O cinzento treme. E o adorável odor de lenha queimada, mato fresco e manhã. Por trás da cerca, sem sapatos, indiozinhos puxam fios. Uma menina vira guerreira segurando ripa de taquara seca. Sacodem a cerca rindo em guarani, talvez da aula que acontece. Merenda. Convite para café. Conversalhada de criança soa igual em qualquer língua.
Apontamentos feitos durante supervisão da estagiária Anelise Garcia, Escola Estadual Índigena Karaí Nhe´e Katu.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Semiologia indiagnosticante

Testosterona vicia. Falta de esperma tira o viço. Crise de abstinência é pura tristeza. Estados tristes só existem porque o corpo assim os cria. Tristeza é desejo insaciado. Nem todo desejo é físico, mas todo o físico precisa de desejo. Fisiologia feminina não tem regras. As regras viraram instáveis sangramentos controlados medicamentosamente. Medicamentos não satisfazem. Satisfação só depois daqueles beijos. Chocolate mascara vícios virtuosos confundidos com amor. Sentimentos espermáticos necessários e imprescindíveis para alegria incriável que existe porque o corpo exige outro corpo e não qualquer corpo apenas aquele corpo cúmplice inteiramente habitável em todas as concavidades bem vindas porque assim fisicamente almas gozam na junção invisível de hormônios em funcionamento. Gozo é sempre alegria, mesmo quando faz chorar. Há lágrimas que são dor e antevisão do separar dos corpos. Há líquidos não lacrimais regando o físico de estrógeno progesteronado que tem menos poder que as endorfinas morféticas que põe homens a dormir enquanto suas mulheres pensam na possibilidade de suicídio. Adiposidades protegem de pensamentos trágicos. Idas à geladeira apaziguam a insaciabilidade amorosa, aparentemente curada com leite, baunilhas e açúcares. Querer morrer é não embeber-se de santo sêmen todo dia. Disfarce seminal em carboidrato afasta cada vez mais o físico de textura certa, os cheiros do paraíso e a troca arfante de gases, águas e mínima oxigenação. Saudade de homem pode matar.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Visita inevitável

Com olhos encovados, rugosa como um tronco, com veias aparentes e pele cheia de sinais, a Velhice bateu na minha porta. Vinha cheia de dificuldade, fazer prevista inspeção em minha casa, tomar chá em hora impossível no meio da tarde, ignorando que tenho mil outras tarefas, acreditando que todo mundo tem o mesmo tempo que ela. Achando que gosto de ouvir como ela se disfarça na gordura, pensando que eu nada sei e não percebo o quanto se julga decrépita ao olhar o envelhecimento de meu corpo sentado ao seu lado escolhendo o que seria apropriado lhe dizer. Cedendo à tentação de seus irresistíveis docinhos glaceados, precisando muito de seu carinho, elogio suas mantas e falo com saudades de guardanapos bordados e receitas de sobremesas. No destemor da manteiga, na desmedida do açúcar e no abuso de gemas e mais gemas, conto das coisas que faço na vida só para vê-la escarnecer de como gasto minhas horas. Sem querer espio as contas nacaradas do terço saindo da bolsa surrada, onde guarda patacões de sorte, escapulários e a carteira cheia de santinhos, sempre com medo de que alguém a arranque das mãos nodosas que a seguram mesmo quando ladrão não há. Então começa a contar desgraças e lastimar as abominações desse mundo para logo desfilar as penas de seus ossos, o mal estar dos músculos, os recentes hematomas, todas as dores bem localizadas, as crises agudas, as recomendações médicas, a lista de remédios, as reclamações dos parentes, a cobrança pela minha presença. Sei que volta e meia tenho que visitá-la, adentrar-me me suas queixas, lembrar que um dia ela me tomará. É aí que penso se não preferiria a morte do que envelhecer, para então subitamente perceber que quem vez ou outra vem me visitar é Ela, se passando de Gorda ou Velha, para ver como eu posso, de outra maneira, a receber.

Fragmento da pintura Árvore e Serpente, 1998.



Sobre a velhice e o caminho transverso
Sei como ela é: anda em silêncio, esconde-se nos espelhos, é sorrateira. Faço de conta que não a vejo. Ignoro-a. Já houve tempo em que eu a considerava apenas uma Visita. Vinha de vez em quando, assim sem avisar, de surpresa, pois já não era lá muito educada. Assim como chegava, logo ia embora e eu quase a esquecia. Mas ultimamente, mesmo sabendo que lhe faço pouco caso, chega e instala-se. Fica à espreita de tudo, à espera de um momento de fragilidade para mostrar-se. Às vezes, já é logo pela manhã, se ouso encarar o espelho sobre a pia do banheiro, ela se mostra nua e crua como a verdade. Melhor disfarçar, sair devagarzinho, não encarar. Pode por a perder o meu dia. Outras vezes ela não se contenta em só aparecer, também faz comentários, dá opiniões, claro, sempre sem ser solicitada, essa Intrometida... É quase sempre em ocasiões que, distraidamente, me deparo com uma roupa maravilhosa, um sapato inacreditável e me encho entusiasmo. Estou prestes a entrar na loja. Eis que a ouço, ironicamente, sussurrando ao meu ouvido: - Será que essa roupa vai lhe servir? E esse sapato? E o equilíbrio para usar esse salto? É dureza. Porém mais duro ainda é admitir que muitas vezes ela sabe o que faz e o que diz. Melhor mesmo esse jeito de se mostrar aos poucos, de se alastrar aos poucos. Pois se o convívio é inevitável, melhor também que eu aprenda a suportá-la. Amá-la? Não! Não! Não! Isso é pedir demais.


Reverberação enviada pela aluna Ana Clara Holz, do Programa de Educação Continuada no Seminário Avançado Ascese: terceira dissertação de A Genealogia da Moral.

domingo, 1 de junho de 2008

Bacillus

pútrea pústula purulenta pior porque priva
vida visão vindo
quando pobres pouco pegam pura paz
doente demente danificado
dolosa danação

peste aponta postas perdas para perene
primar pânico pérfido pequeno peão
pasmado porque passa
pena e prisão
pinga
pira
pós
e o

cabe cômodo cordato
como cume chão
crivando costas
colocado curto
no ninho
caixão

Se o ar está infecto, fuja. Mas se ganhas o pão combatendo infecções, cultive bactérias. Gostar de pensar em doenças é lutar a favor da vida. Deixar morrer, hoje, é muito revolucionário. Única heresia do mundo contemporâneo e sua milícia contra a mortandade. A força psiquiátrica na batalha contra a vontade suicida que nos salva a cada dia indigesto que o trânsito, os ávidos por poder e os sugadores de plantão trazem a quem só quer comer, trabalhar amorosamente, descansar e festejar encontros. Preferencialmente coroada de flores, dançando muito e aspirando perfumes. Amando a decomposição vegetativa da morte pulsante em toda terra pouco pisada abaixo do asfalto e do calçamento. Sobre os quais as infecções pretensamente eternas sufocam quem somente precisa respirar. Fugir é arriscar-se a piores ares. Lançar bactérias é a única maneira de criar doenças que podem salvar o ar de tudo aquilo que acaba com a arte.