domingo, 29 de novembro de 2009

genealogia de uma ferida

Para machucar a si mesmo basta perder o prumo. Sapatos errados ajudam. Calçadas irregulares favorecem. Coisas reais nunca estão completamente submissas à linguagem. Lanhões acontecem à revelia dos passos, ainda que simplesmente caminhar já presuma riscos. Basta seguir adiante para estar sujeito a hematomas e fissuras conseguidos no encontro brusco da carne seja no chão, na parede, na coisa dura que o peso fez rasgar. Permeável, a pele arde. Flexíveis, os músculos cedem. Descontroladas, as articulações torcem. Quebráveis, os ossos podem partir. E a alma, que pouco sofre com essas vulnerabilidades, fragilizada, chora o corpo que por muito pouco não a sustenta.

depois de um tombo

machucada pela podre insistência em ser bela; lanhada pela mania de ir por mim; tropeçando devido ao querer se combinar

incômodo maculado

Mancha alguma traduz a sujeira insolúvel das impossibilidades que teu descuido impôs.

Doação de sentido não forma caráter

Paroxismos que dão o que pensar, mas não confortam os males causados por amores infelizes. Amar cria forças que a pior falta de correspondência jamais poderá extinguir. Acabar com um sentimento nocivo exige grandes dádivas. As características da formação não exprimem a falta de sentido de adorar alguém em vão. O azar de não ser amado não mostra, todavia, as maravilhas do absurdo que toda arte dá.

escapes neuróticos

reinventar os amigos imaginários

saída desesperada

do gratuito

falível e perfeito

psiquiatra imaterial

mudando de face

e tom

de acordo com as demandas

do doente

penas de uma paixão

O momento próprio só acontece quando não mais se estiver preso na expectativa da vinda de outrem. O amor não tem nada a ver com as manobras masoquistas das conquistas vazias. O outro e eu, somente lugares cujos ocupantes entram e saem a toda hora. Presença é carne usando músculos em abraço e outros movimentos envoltórios ainda que somente na língua. Sentir falta da tua é mais aterrador do que perder um membro. Mas incapaz de amar jamais trocaria sequer uma cartilagem pelo melhor de todos os beijos. Perder a pressão de teus músculos é fazer um cadáver com a infelicidade que mantém tua lembrança. Não acertar nos leva a pior mortificação, a que age na vida. Para renascer somente vivendo tudo aquilo que não está contigo. Mas como ignorar o chão da cidade onde circulas? Evitar o céu que te cobre? Esquecer de mim, completamente entregue às tuas indecisões? Como nunca mais virás, o momento apropriado acaba com o céu, o chão e tudo que nos rodeia. Por mais longe que ande, a penalidade a qual me sentencias mata esperanças e tudo o que consigo em mim é o extermínio daquilo que em ti vivificou.

definitivos rompimentos

miragem dessa imensa tristeza
para buscar
no ritmo da pulsação
a sã alegria
de viver
longe do homem
que tanto me aflige

sem tensão
um sentir menos que a brisa
na luz plácida
solitária
das inquietudes
que não mais o pertencem

esquecer
a índole desapaixonada
do burocrata
incapaz de transgredir
preescrições

proíbe a si mesmo
em sua
egoísta
egóica
fechada
lei

deixar-se descontruir
doar seu tempo
buscar o gozo
entregar desnecessariamente
prazeres sem preço
plenos de valor
sem reconhecimento

arcar com o descaso
sorrindo
ao caso perdido
devido à misérias
jamais provadas
por quem se rende
no giro
dos que amam

na circularidade da roda
os loucos saltam fora
e o insuportável
que os altos e baixos
do passado e do futuro
não experimentam
é exatamente
o que nos faz
dançar
sem lamentar o triste fado
que desgraçadamente
nos apresentou

refrão ao término

Ao simplificar, perde. Ao fugir, impossibilita. Ao esquecer, morre.

efetivamente

todo amor que houver nessa vida não adianta nada se não fores meu pão e minha comida

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Aos quarenta

A vontade do teu pai. O coração dos justos. A leveza de quem cumpre. A alegria de quem ama. O carinho da tua mãe. A presença dos amigos. As cores do sol. As graças das chuvas. O respeito à Terra. A dedicação aos livros. Os cuidados com a casa. A felicidade de quem goza. A tranqüilidade de quem não teme. A beleza de quem casa. A delícia dos que copulam. O sabor escolhido. O fado, o daimôn, o carma. O espaço sagrado, o parceiro destinado. As bênçãos de Deus. O corpo de todos os dias.


Em honra ao casamento do Max.