terça-feira, 29 de janeiro de 2008

provocAÇÃO

abrir mais vagas
duplicar o vagar
andar vagando
a esmo
só por estar
numa divagAção
ocupada sempre
com vagas
palavras
nada vazias
que vazam
sentidos
vagos
por mais propositivos
que se coloquem

Poema disparado com a Proposta de Dissertação Impressões, anotações e distrações, de minha orientanda Mayra Martins, a ser defendida amanhã.


ela

Linda. Existe, ainda que inatingível, ainda que a me ignorar, ainda que fabulada. Lenda.

nulas possibilidades de abordagens bruscas

Sem ele há mais espaço. Sem ele a atmosfera fica menos densa. Há menos exalação de óxidos. Menos fluidos carbônicos. Diminuição significativa de pêlos derrubados. Somente o rastro, impregnado nas roupas. Sem ele tudo o que fica é cheiro no lençol. Sem ele a aparelhagem some do balcão. Sem ele máquinas silenciam. Longe dele escutamos mais música. Rimos mais. Com ele longe pouco se estressa. Sem ele nada é tensionado. Sem ele nenhum risco de invasão. Sem ele nada se preenche. Sem ele úteros se espremem. Sem ele não há embates. Sem ele não tem graça.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

parcerias

Solidão compartilhada é inevitável. Curtir junto deve ser o bastante. Mesmo que palavras não partam. O silêncio cansa, mas os beijos revigoram. Melhor travestir em canção. A bateria pulsa. Os cheiros acolhem. Todo resto funciona. E o pouco que jamais se diz é mais do que necessário.

secreções

Mais do sexuais, sempre nutritivas. Sorver lágrimas, banhar-se em gozo, deslizar no líquido lúbrico guardado aonde mais se quer chegar.

alquimia

A bosta é o excremento da besta. Interessa, dos bestas, não o que se excreta, mas aquilo que o corpo deles secreta.

método

Jamais confundir besta com bosta.

problema generalizado

Na maior parte das vezes as mulheres se tornam chatas porque não encontram um idiota o suficientemente besta para fazê-las ardentemente feras, incansavelmente mulas e risonhamente meninas.

gêneros

As mulheres ficam chatas porque os homens parecem idiotas. Quando mais bobo um homem fica, mesmo que seja pela própria mulher, pior ela se torna. As bobagens masculinas são defesas contra a chatice feminina, que não passa de uma reação ao homem ignoto que tende a dar trabalho e trazer desprazeres. Deixar de ser chata implica amar o bobalhão, rir de besteiras e adorar o estado priápico idiotizante que tira qualquer uma do sério. Ficando chata ou sendo a mulher besta que todo homem quer.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

AZAR

falhas em máquinas essenciais
novos sistemas para dominarmos
em poucos minutos desconhecidas interfaces
muita roupa chuva
correndo atrás de mantimentos
que outros consumirão
porque corpos exigem alimento
até o molho perder o ponto
pé torcido
arquivos perdidos para sempre
ofensas
entre quem se ama
palavras duras
críticas nossas de todo dia
ajuda esperada nada
crianças não atendidas
apoio, só pagando
nenhuma pegada boa
das que fazem a vida valer a pena
ninguém para conversar
língua mastigada
o chão nunca fica limpo
arranhões e hematomas
que não se sabe de onde vieram
pouco sono
plantas sem água
combinações insustentáveis
trabalho a ser refeito
desesperos para aplacar
baixar a cabeça
esquecer
tocar as desgraças que cabem
porque alguém se exprime
e azucrina
quem gostaria que lhe compreendesse

Não ser valorizado é o preço de se trabalhar incansavelmente com vistas à perfeição. Que nunca é a mesma do outro. Oprimir-se pelos valores alheios é idiotice. O que não dá é conviver com quem avalia produções na ralé do dito “chique” acabamento. No deslumbre das publicações dominicais. O que dá para o gasto não está nas vitrines que esta gente despende. Por mais que se elabore compras, não se consegue o êxtase que consumo algum pode trazer. Vestem pouco gosto na qualidade duradoura do material, no pastiche de uma sofisticação só encontrada naquilo que, por vontade, se cria.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Chorar até sangrar os olhos. Entorpecida de cansaço. Sem trégua nunca. Assombrada pelo egoísmo que se impõe ante a tudo o que foi planejado para todos melhor contemplar. Na lástima de toda essa miséria. Trabalhando bosta para que a terra a processe. Sem medo de doar teu corpo estericida para ciência. Respiro fundo. O pior que acontece sempre nos faz aprender. Acalmar a dor é a única maneira de ter paz. Uma rosa basta.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

macabéia patty

Você morre um pouco cada vez que quer brilhar. Você se quer estrela e esquece das galáxias infinitas que te fazem pequena poeira luminosa sem nenhum destaque. Você teme o corpo embaixo da lona sob a luz da viatura que preferirias nunca ter encontrado. Você sofre por causa de seu tipo de cabelo e culpa o mundo por essa terrível infelicidade. Você odeia certas pessoas porque não consegues entender o que elas dizem. Você tem raiva de quem tem aquilo que nunca poderás ter. Você quer ver a novela e ganhar dinheiro sem muito esforço. Você cansa das salas de aula que ano após ano tentam te confinar. Você odeia a morte e prefere não passar perto do cemitério. Mas você sabe que entrar no museu te faz mais importante. Mesmo que, ali, você não pense o que está vivo e o que está morto, independente da exposição.

sábado, 12 de janeiro de 2008

homem

Segura o pau. Nem que seja para atirá-lo no gato. Toda sua pele exala líquidos. Nas dobras, cheiro acre, mesmo disfarçado com o mais elaborado dos perfumes. Infesta narinas alheias. Absorve oxigênio. Expele gás carbônico. Corrompe atmosferas. Em sua boca, gosto de quem quer provar mais. Em seus intestinos, carne se processa. O que saí dele faz o ar mais definitivamente mais pesado. Quando toca um corpo, arrasa. Nem que seja no roçar de pêlos que nele nunca param de proliferar. Ele cansa. Ele vem porque sempre quer entrar. E sem ele, nada funciona como hoje é.

na estrada

ninguém vai adiante
sem metal
quantia
para pagar
o passe
dos caminhos

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

viagem

Pé na estrada. Sobre rodas. Seguindo o destino planejado. Sem rota seria impossível. Porque é preciso voltar. Para o lugar a que se pertence. Nem que seja um picadeiro. Arena onde a luta pela sobrevivência se faz espetáculo. Afinal, todos querem ver tua bravura armada, teus golpes ferinos e tua inocência eternamente sacrificada. Equilíbrio na corda-bamba, voando acrobaticamente, fazendo malabarismos com tudo que caí nas tuas mãos. Cheias de truques. Cortando mulheres ao meio. Domado. Completamente palhaço, mesmo montado sobre quatrocentas, quinhentas, seiscentas cilindradas. Dentro de um globo chamado “da morte”.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

servidão

Ninguém escolhe servir. Mesmo público, o servidor é escravo de uma enorme lista de tarefas. Que não acabam nunca. Mas ainda é melhor estar atolado de serviço do que ser um pulha que não serve para nada. A serventia de tanto trabalho pouco se define, visto que os espaços a que dá direito em nada servem para criar sequer alguma impressão de liberdade.

custos

Eliminar o caos não garante um cosmos coeso. As moscas aparecem a revelia dos cheiros ditos afastadores de insetos. Depois de toda a louça, depois de estender os panos, a roupa, esticar camas, colocar as coisas nos devidos lugares, varrer a poeira para fora, te é dado um respiro de nada. O sol distorce. Com o corpo estendido ao chão, num dia sem nuvens, conheces Olorum imenso, sem nada para ser dito. Apenas respeitado. Graças de quem pouco espaço consegue. Manter cubículos limpos é tudo. Neles vivemos. Nem que seja para sair tranqüilo de dentro da restrição das tocas e deitar num fora não calçado para absorver o infinito celeste que todos recebem. Ar e luz sideral ainda não se paga. Espaço, por mais que se trabalhe, cada vez menos se têm. Dores aumentam com a idade. Vontade de chorar só melhora quando as lágrimas brotam. Olhar as estrelas e entrar no mar é sentir-se um pouco menos miserável. Fazer arte, mesmo que ninguém aprecie, é a única maneira de não preferir morrer. Criar prazeres nas dificuldades é o jeito que os advindos de coitos arranjam para não sucumbir ao que surge em torno dos coitados. Não inventamos todo esse tranco, mas não há o que fazer senão agüentá-lo.

sempre

Sujaram-se os panos. O pó, o barro, micro e imundos fragmentos a serem eliminados. Só há uma coisa a fazer: lavar tudo.

fácil

Se assim fosse, nada teria valor. Porque é preciso avaliar o tempo inteiro. Sem valoração as coisas não teriam sentindo. Sem apreciação nada pode entrar para um mercado. De trabalho, ainda que seja. Pontos. Sempre uma pontuação a ser atingida. Sempre créditos a contar. Problemas não descontam nada. Somente valem para quem sabe que os ultrapassa.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

desistir

deixar algo
escapar de alguém
MUDA tudo
sem garantia
de melhoras

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

mel horas

Mudar não adianta. Mesmo que os móveis sejam reposicionados, uma sala ainda não comporta todos que se ama. Troca-se de casa. As dívidas e os truques para saldá-la vão junto. Compra-se um relógio. O atraso permanece. Pinta-se o cabelo com cor completamente nova. A cara continua a mesma. O rosto cai, as bocas se abrem, corre-se com a língua de fora. Colocam-se os bichos para fugir. Criam-se mil escapes. Emagrece-se. Por mais que se tente, o peso fica. Muda-se completamente, mas nada acontece. Prestando atenção parece que piorou. Uma coisa simples: há mudanças, mas nada melhora. Não importa o que se faça. O que torna as coisas melhores é fazer qualquer momento mais doce. Menos amargo, emético, enjoado, querendo morrer. Ao invés de sonhar com mudanças, adocicar as horas do exato instante em que se está. Provar a sutileza do mel. O eterno fundo de ervas, suave aroma vegetal. Processado nos mistérios do pólen. Uma força que fecunda mesmo entregue. Poeira perdida na massa hetereogênea, acoplamentos de corpos sem certa função. Tudo, de algum modo, deteriora e germina. Inventar a mel hora é trazer poesia para o que se faz. Por pior que seja. Sem desconformidade. Por mais que façam mal, há estruturas que mesmo mudadas não melhoram. A terra muda o tempo inteiro. Ainda que pouco mude seus ciclos, esquemas, prisões, cadeias vitais, moléculas que se absorvem. Sem piorar ou melhorar nada. A não ser para aqueles que provam de seus frutos, que cheiram suas flores, banham-se na água de sua superfície e sucumbem ante aos seus rochedos e geleiras. Frágeis humanos com necessidade de horas mais doces. Para melhorar basta saltar rasteiro, amar as ondas, mergulhar, dançar, escutar barulhos infinitos. Basta achar música. Encontrar o tom. Ir adiante.

Quando as bocas se abrem: memorial de Marcos Oliveira, apresentado para banca da Linha 09, Filosofia da Diferença e Educação, na seleção 2008 do Mestrado em Educação do Programa de Pós-graduação. FACED/UFRGS, 2007.