terça-feira, 1 de janeiro de 2008

mel horas

Mudar não adianta. Mesmo que os móveis sejam reposicionados, uma sala ainda não comporta todos que se ama. Troca-se de casa. As dívidas e os truques para saldá-la vão junto. Compra-se um relógio. O atraso permanece. Pinta-se o cabelo com cor completamente nova. A cara continua a mesma. O rosto cai, as bocas se abrem, corre-se com a língua de fora. Colocam-se os bichos para fugir. Criam-se mil escapes. Emagrece-se. Por mais que se tente, o peso fica. Muda-se completamente, mas nada acontece. Prestando atenção parece que piorou. Uma coisa simples: há mudanças, mas nada melhora. Não importa o que se faça. O que torna as coisas melhores é fazer qualquer momento mais doce. Menos amargo, emético, enjoado, querendo morrer. Ao invés de sonhar com mudanças, adocicar as horas do exato instante em que se está. Provar a sutileza do mel. O eterno fundo de ervas, suave aroma vegetal. Processado nos mistérios do pólen. Uma força que fecunda mesmo entregue. Poeira perdida na massa hetereogênea, acoplamentos de corpos sem certa função. Tudo, de algum modo, deteriora e germina. Inventar a mel hora é trazer poesia para o que se faz. Por pior que seja. Sem desconformidade. Por mais que façam mal, há estruturas que mesmo mudadas não melhoram. A terra muda o tempo inteiro. Ainda que pouco mude seus ciclos, esquemas, prisões, cadeias vitais, moléculas que se absorvem. Sem piorar ou melhorar nada. A não ser para aqueles que provam de seus frutos, que cheiram suas flores, banham-se na água de sua superfície e sucumbem ante aos seus rochedos e geleiras. Frágeis humanos com necessidade de horas mais doces. Para melhorar basta saltar rasteiro, amar as ondas, mergulhar, dançar, escutar barulhos infinitos. Basta achar música. Encontrar o tom. Ir adiante.

Quando as bocas se abrem: memorial de Marcos Oliveira, apresentado para banca da Linha 09, Filosofia da Diferença e Educação, na seleção 2008 do Mestrado em Educação do Programa de Pós-graduação. FACED/UFRGS, 2007.

3 comentários:

Anônimo disse...

Adianta sim, porque só mudar o que tá ruim, o que parou, já é deixar de ser ruim, vira outra coisa. Melhor, pior. O pior é melhor que o ruim. Porque expõe, porque desafia e faz ver com olhos banhados a tirania do ruim, faz viver intensamente as dores que antes apenas doíam mas não penetravam nos ossos. E há também as mudanças que afetam tudo, que são boas, a carne continua a deteriorar naturalmente, mas se enxerga melhor no espelho.

Talita disse...

legal ler marcos com voz de paola :)

Marcos da Rocha Oliveira. disse...

uma postagem-presente: suspenso entre paolas e marcos uma única anotação: quem presenteia quem? não importa, ambos roubam. estão perdoados.
e contentes.