quinta-feira, 28 de agosto de 2008

consumo de professor

Os livros não salvam, mas provam honestidade. Os livros mentem. Mesmo quando foram escritos para afirmar uma verdade. Verdades, aliás, muitas e muitíssimas vezes criadas pelos livros. Que nada significam além da palavra impressa, pela pena ou pela prensa num aglomerado de páginas. Eletrônicos, brilham. Mesmo ruins se propagam. Até os mais belos, um dia, esgotam. E os mais sublimes podem acabar não reeditados. Cada vez mais, palavras desaparecem. Tantas pessoas escrevem, tantos autores são vendidos, tudo o que está escrito deixa de ter valor. Avaliar o preço de um livro fica em torno da qualidade e quantidade de papel. Do acabamento da capa. E dos impostos de importação. Produto, o livro é descartável. Fetiche torna-se coisas que ele não é. Porque livro algum foi feito para ser aquilo que ele apresenta.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A luz vai reta
O som faz curvas
Amores se alastram
Teu estudo basta

Para o Rafael Johann, cuja explicação sobre câmeras escuras, dia 13 de junho último, provocou aplausos dos alunos de sétima série de sua turma de estágio no Colégio de Aplicação da UFRGS.


segunda-feira, 25 de agosto de 2008

lástima matinal

Por que a fluência textual que ocorre na cama, antes de dormir, desaparece quando acordamos? Onde foi que os sonhos esconderam as mais certeiras palavras?

domingo, 24 de agosto de 2008

obrigação moral

Pobre daqueles que escrevem porque assim precisam ganhar a vida. Buscando o triste lugar daqueles que os consomem. No consenso de conceitos digeridos, comunica morno aquilo que somente por paixão se pode criar. Para sair do comum, pensar somente morrendo. Ir além do dito é entregar-se ao que dissemos muito antes das apropriações mundanas de incógnitos prévios já passados pensamentos. As produções aparecem à revelia das pesquisas abandonadas e de temas que o douto ocluso julgou ultrapassar. O bom de não se ter nome é o descompromisso: com tudo o que se fez, com a literatura tal e com toda a bosta de ser alguém a quem o mundo encomenda palavras. É no desconhecimento que gozamos da eternidade.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

com Barthes sem possibilidade de fuga

O texto não tem fio. Tem linha. Porque é desenho. Tecidos dão o pano. Nunca uma trama. Textos dão a obra. A roupagem apenas a glorifica. Precisamos de espelhos porque não vivemos mais sem olhar o que vestimos. Humanos. Criadores de peles, adulteradores mor de superfícies. Bichos cavocadores. Fêmeas a caça. O texto é bio, lógico, cultural, idiota, trágico, besta, hedonista e redondo. Faz circular a vida de quem dialeticamente o traça, quase sempre dentro das amarras de uma dada linguagem cultural. Simplesmente para o bel prazer de quem escreve, por mais estúpida e mal remunerada que uma escritura seja. Trágica porque arrasta o fora, sem códigos e regras, para dentro do pensamento. Instintivamente, por mais identificador que o texto seja. Ele é o que o cérebro desenha após uma leitura. A trama apenas o reveste como produção personalizada. E a máscara criada junto a ele é aquilo que o autor assume para encarar a vida.

O fio não tem código, o traço codifica. O corpo-cérebro decodifica porque sua vida mesma criou nomes para tudo que aprende. Aprender o já aprendido é sobrecodificação. Descodificar aprendizagens é pesquisa educacional. Apesar de que pesquisar a educação seja muito mais do que simplesmente pensar textos.

O texto vem das pessoas e sempre acaba indo muito além da vida encarcerada nos limites dos corpos que ele cita, recita e incita. Sem o corpo, despessoalizado pela própria atividade tessitural que ler e escrever vidas cria, é impossível existir um texto.

Eterno retorno de expressões e palavras, o texto não apenas refaz o corpo como inventa a paisagem onde este corpo se desloca. E, como tudo na terra, dá voltas.

Fugir, só morrendo. Não há mais Terra sem essa casca textual.

Testar a morte é abolir as palavras.

Alguém consegue?

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

sintoma

Não interessa saber quem é sádico, histérico, obscessivo, masoquista. Sintomatologias são produzidas, mas tudo o que se produz não cabe nos sintomas. Sintagmas engessam produções. Palavras de ordem são signos de poder. Ficar sem ter o que falar é dar espaço para potências. Potencializar o que se diz só é possível se calando. Jamais sob o jugo de comandos. Estes, quando contraditórios, paralisam. Comandar sem fazer nada é tirania. Mandar nos outros funciona para os que não se põem no lugar deles. Obedecer é um problema de quem respeita. Rebelar-se sem prudência é suicídio. Ninguém está impune. Uma derrota também é de quem venceu. A destruição pressupõe algo que cada um constrói para si. Arruinar-se não envolve só o tempo. Rajadas podem ter culpa. E necessariamente não precisam ser vindas do céu. Palavras arrasam. Vontades que não se dobram acabam sendo exercidas com crueldade. Fugir disso não garante nada. Conseguir graças engorda mitos. Identificar o que é Titã devorador e Dioniso estraçalhado não importa. O que sobra é coração.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

descaso

Ignorar a doença às vezes é o mesmo que adiantar o morto.

domingo, 10 de agosto de 2008

Pai

sente
se mente
sem mente
sua essência
semente
sempre
sêmen
sens
ser

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

algo muito mais leve

Melhor esquecer quem nada nos dá. E abraçar fundo quem pega a pá enquanto se varre. Quem carrega os fardos para fazer o que precisamos levar. Juntos.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

serviço mal feito

submissão de todo patrão
revoltar-se tem sido mais que necessário
infelizmente aprendemos que é feio ser fascista
na armadilha do discurso liberal
um dono de si mesmo
faz o que lhe cabe
sem mandar
desobedece
bem

inventário de coisas novas

estojos que se abrem, armários empenados, bolsos que descosturam, coadores em que a rede se desprende da base, sofás que furam, saltos que quebram, iogurte sem fermentação, forros que vazam, borrachas que arrebentam, livros que se despedaçam, perfumes que mudam de odor, espelhos sem vedação, cadeiras que afrouxam, torneiras que emperram, bolsas que caem as alças, revestimentos que descascam, fechos que descarrilam, poltrona que solta tinta, pão do dia com mofo, sistemas de conexão que falham, tesouras que se partem, colchões que perdem densidade, porcelana que trinca, aparelhos com defeito, botões que não fecham, piranhas,
centenas de piranhas com dentes de plástico que não duram duas apertadas

às vezes o aborrecimento da reclamação ou troca dá mais prejuízo
do que o produto avariado
o que não estraga é quase sempre inacessível
poucos podem pagar o preço de não se incomodar
o ódio de quem consome cresce
ninguém sabe como esse pesadelo termina

sem tempo de nos preocuparmos

com isso

domingo, 3 de agosto de 2008

medicina dos espaços

Sofrer pela feiúra arquitetônica das coisas é um mal que distingue as pessoas pelo gosto. Querer morrer porque o mundo está cada vez mais feio é doença que abate crias de urbanista. Tentar melhorar o que está feito é delírio de austríaco “pode crê”. No Brasil, só em finais de semana. É usar sucata e fazer sozinha o que europeu dispõe para cinco pedreiros. Pagos. Fazer o que quiser das portas e janelas é ir contra as convenções dos condomínios. Para convencer vizinhos os artistas apelam. Nem fazendo palestra de graça citando todos os exemplos do “primeiro mundo” muda a cabeça tosca quem tem beges tomados como bom tom. Quem teme cores mata aos poucos os que precisam variar sempre. O mundo parece que pertence a quem não ama os arco-íris de nossas cinco peles: derme, roupa, casa, cidade, planeta. De castanho já bastam os cabelos, de ocre, basta o corpo pútrido dentro do esquife. Tudo acaba mesmo em marrom. Melhor preservar a pureza do magenta e esquecer os milhões que ignoram o quanto é importante um arquiteto. Deus não importa, mesmo quando crêem que ele tenha projetado tudo o que estão a destruir.
Sem Hundertwasser esses termos não caberiam nas palavras que trago para expressar náusea pelo que andam fazendo com a paisagem. Salvo meu irmão, http://www.concepcaoarquitetura.blogspot.com, meu pai e seus colegas. Sem Arquitetura as composições aqui expressas em tela eletrônica não existiriam.

sábado, 2 de agosto de 2008

Página do Livro das Rosas, obra de 1994, quando eu lecionava na oficina Sapato Florido. Fiz um livro com pinturas, experimentações gráficas com adesivos antigos de soltar na água e desenhos inspirados na iconografia da Senhora Virgem Mãe, incluindo uma releitura de uma mulher com pés na água de Rembrandt, porque comecei a achar as obras colocadas em paredes muito autoritárias. Dispor de uma imagem em livro é acioná-la de acordo com a força a vontade, jamais porque simplesmente se impõe ao olhar visto que ostentada no entorno.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

A goiaba

Náusea infinda no sacolejar do microônibus numa das piores estradas interurbanas do país. Daquelas de quatro pistas que atravessam cinco cidades sem respiro de matos. Todo corpo dói e o destino, se não ingrato, pouco prazeroso será. Não há latrinas, apenas mal-estar num trânsito truncado. E então, numa parada perto do fio de canteiro verde que começa a prenunciar bifurcações e futuras estreitezas da rota, exatamente na altura dos olhos de quem na condução quase regurgita, ela se mostra. Sob a luz violácea que anuncia a noite, a textura dos galhos e a forma banal das folhas atestam o possível conteúdo róseo e suculento do fruto. Único e quase imperceptível espécie em meio às floríferas ornamentais que tentam apaziguar o impacto industrial do entorno. Filha improvável entre veículos em alta velocidade e toda a pestilência do diesel. Sua contemplação instantânea alivia o absurdo das dores que no corpo se acometem. A paisagem tosca da pista no sentido contrário é morro escavado para erguer, no pior design que a humanidade constrói, uma loja de piscinas de fibra onde no interior recém acesso se avistam dezenas de lareiras, dessas prontas para serem instaladas. Fogo e água. Alguém precisa mais? Quem se importa com arquitetura? Tudo anda. Era um ninho, naquela árvore pata-de-vaca ou só emaranhados de palha? Se a vida insiste em fazer vicejar seus frutos até no pior trecho dessa BR, por que é tão fácil desistirmos dela?