segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

inferno

Tem parede verde insosso com pôsteres de desenhos animados. Sete leitos, três camas e quatro berços pintados de bege já descascando e deixando entrever ferrugem. Lençóis puídos e manchados que quando sujos por vômitos e diarréias levam tempo até alguém trocar. O pingo lento dos soros nas veias dos que repousam não estremece com os berros dos que levam injeções. O chorar estridente de muitas crianças agonia as mães insones, que jazem sem notícias médicas e escasso atendimento por horas e horas sem nenhuma refeição. O telefone toca e não há quem possa atender. No corredor, a lamúria insana dos acidentados. Sem distinção entre os usuários conveniados e os do serviço público de saúde. Garantias ralas. Uma só mesa para a bolacha maria e o chá, alimento das quatro da tarde para sustentar as energias de todos até a sopa insossa que só chega as dez da noite. Nenhuma esperança de escape para os corpos apagados cuja temperatura é medida a cada três horas. Conferida pelas próprias mães. Atrás da cortina de flores e borboletas, raros procedimentos, como o banho de acento no menino de choro estranho com avó, mãe e irmã adolescente fazendo promessas esdrúxulas de lhe darem coisas. Na visão dos olhos de uma mãe despida de livros, desesperada por estar sem cadernos ou qualquer outra superfície de inscrição, o ânus em chagas de um menino abusado. Única mãe achando glorioso não existir, naquele antro, uma televisão, registra em lágrimas as cenas daquele dia insano na precariedade polvorosa do movimentado balneário. E todas as tarefas, as leituras, as respostas, as demandas profissionais, tudo suspensos pela entrada inesperada num hospital onde fazem plantão dobrado de quarenta e oito horas porque “ninguém mais quer pegar”.

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