quarta-feira, 30 de junho de 2010

deMONSTRação

Deus tem cornos. Nas práticas mágicas e rituais ancestrais,o deus cornudo é a contraparte masculina da hierogamia celeste. Satanás, que era serpente nua, ganhou cornos quando a Igreja reinventou a Tora e abandonou a velha Arte. E mesmo no judaísmo tem aquela história de Moisés voltando corneado do Monte Sinai. De qualquer modo, a força do deus cornífero sobrevive e ninguém consegue explicar as guampas invisíveis do Patriarca São José. Quantas histórias, romances, narrativas... A lista é longa, sendo que um dos nomes mais notáveis é o Rei Artur. E lá está o dragão, esse lagarto alado e cornudo que fazia corpo com a Grande Mãe. Tiveram que inventar um São Jorge, pura alegoria da afirmação fálica, só para combater a bestial força divina. Aceitar os cornos é se livrar da vileza do metal, da dor da ponta da lança e dessa crueldade torpe que repudia o gado, o réptil, o aracnídeo. Toda essa "dor de corno" porque o homem gnóstico e platônico resolveu separar os deuses de seus animais. Mas a intensidade guampuda nunca desaparece. Surge como paixão incontrolável, potência engolidora que faz do humano, potência selvagem. Entretanto, não se põe contra a lógica abstrata e suas extensões de palavras e raciocínios dos quais hoje é impossível se abster. Ao contrário, os cornos sobrevivem na garra das palavras, insinuando-se no rosnar da tradição escolástica, gritando no panteísmo de Spinoza, explodindo com Nietzsche no clamor do Minotauro. Enquanto a contracultura dança as bênçãos tornadas diabólicas, o humanismo está cheio de cornudos que fazem tudo para esconder suas amarguradas aspas. A força dos cornos investe contra os juízos e a moral. Corneados, ganhamos a chance de escapar do medo e de sermos eternamente julgados. A única danação é o próprio julgamento. O homem tem a presunção de condenar. Sente rancor porque Deus não lhe deu venenos mortais para exalar, hastes pontudas para brigar, garras afiadas, caninos dilacerantes. Suporta cheio de tristeza não ter asas para voar. O homem cria um Deus que o julga porque quis ser melhor que Ele numa louca suplantação de todos os animais. O homem sofre como nenhum outro animal, não porque agora voa, dilacera, envenena e consome o que quiser, e sim porque nunca conseguirá imitar a serenidade de uma erva.

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