domingo, 27 de janeiro de 2013

Uma máquina de ler pensamentos


Junto a tese Educação Potencial: autocomédia do intelecto
de Máximo Daniel Lamelá Adó


Foi juntando as folhas soltas de minha ultrapassada e esquecida tese, numa limpeza de escritório onde trinta e sete mil quinhentas e vinte e nove páginas nunca publicadas  foram jogadas fora, que encontrei algumas anotações extraídas na limpeza dos porões da antiga prefeitura, antes desses se tornarem galeria de arte. Ali havia um manuscrito, a conferir se hoje encontra-se no Arquivo Municipal, cujos desenhos, por se parecerem com alguns glifos que me foram mostrados por serem iguais aos signos gráficos presentes em trabalhos que vinha desenvolvendo, intuitivamente, no curso de graduação. Não estou autorizada a referir o funcionário que quebrou o protocolo com a permissão de meu manuseio, a quem muito agradeço hoje.  Pelo caráter sincrônico dessas notas, não foram colocadas fora com todas as pilhas de papel acumuladas em quase quarenta e três anos de vida.  Ao passar minhas “férias” com a tese de Máximo Adó, tomando conhecimento das conversas entre os professores Dumolin e Hickey e avivando a referência ao livro de André Maurois, tais anotações se mostraram de grande valia, oferecendo a possibilidade de colocar em prática um experimento abandonado há doze dias, quatro meses e vinte e um anos. Esse vai de encontro com a tese no que diz respeito a criação de “uma nova imagem do ato de pensar”(p.91), servindo para levar adiante o debate de que as palavras “seriam mais nítidas do que as imagens”(p.89), sendo que, sem pretensões, o experimento pode provar exatamente o contrário.  
O manuscrito que o descreve é assinado por um tal Daniel, de apelido local o Guairu, visto se comunicar com vários indígenas (informação que obtive no diário de meu próprio bisavô, Alberto Herculano Menna Barreto que por vezes tomava notas das peculiaridades encontradas no seu cotidiano, sendo Guairu uma verdadeira aberração fonética nos cafés do Mercado Público onde meu bisavô, sortudo que nunca precisou trabalhar, costumava gastar os dias).  Sem nenhum indício de seu verdadeiro sobrenome,  sabe-se que Guairu era um judeu que aportou em 1885 numa Porto Alegre sem sinagogas. As características do papel, da pena  e da grafia, datavam do início do século XX, sendo que haviam dois tipos de papel e o mais antigo, contendo a explicações em francês sobre as combinatórias da leitura de pensamentos talvez fosse escrito por outra pessoa. Não me detive nos circunlóquios biográficos escritos em espanhol de como esse Daniel havia chegado no fim do mundo para agonizar nessa cidade tacanha. Fato é que antes de morrer tinha que repassar as descobertas de um antepassado seu, perdido pelo Brasil colonial, que decodificou uma escrita supostamente tupinambá em cascos de árvores conservados em urnas funerárias no que hoje vem a ser o sítio arqueológico de Araruama. A partir de manuscritos enviados à França no início do século XVIII, Guairu narrava que uma experiência de ler pensamentos a partir de relações cabalísticas feitas entre a quase imperceptível grafia ameríndia e o alfabeto hebraico, foi realizado por um tal  Jacó Tionet, em Paris. Situo esse experimento na decadência das artes combinatórias, talvez ignorando a dióptrica de Descartes, mas por coincidência espaço- temporal,  com alguns traços a ela relacionados: “todo ato da visão, é, em realidade, um juízo intelectual do sujeito pensante” (p.93). A lógica é a mesma da câmera escura,  sendo que a câmera, no caso, estaria dentro da própria abóbada craniana.  O experimento foi possível porque junto ao suposto alfabeto ameríndio, o egípcio Nida Elmela teria enviado de algum lugar não situado nas margens do Mar Morto reproduções de glifos anteriores ao hebraico como a história o estruturou, que sequer podem ser reconhecidos como hebraico arcaico. São essas as imagens que Jacó Tionet organizou e testou como passíveis de imprimirem fisicamente as linhas do intelecto daquele que as toca na fala do experimentador. Posteriormente ao experimento de Tionet, Guairu cita a tese romântica do Dr. Mamodo Axima, nascido Cipriano de mãe afeganistã e pai grego, que defendeu na universidade do Cairo um modo de “pormenores lacônicos de longa projeção” (p.51) expressarem pensamentos que por ventura tomamos como abstratos, mas cujos traços muito bem se colocam em imagens simples com potencial de os condensarem. Já encontrei uma referência a essa tese num  artigo de Ado Doel, hoje estrategicamente  indisponível na web, sobre a possibilidade de Axima ter descoberto a linguagem binária e jamais ter sido reconhecido por isso.  Fato é que Guairu anotou os glifos e as premissas desenvolvidas por Axima, explicando, ainda que somente o Sr. Momeni Lamax poderia reproduzir o experimento, visto esse prescindir a cadeira de veludo verde que pertenceu a Tionet, mas necessitar de um elemento condutor que apenas Lamax, até aquele momento, tinha em mãos. Aí parei minhas anotações, ainda que tenha redesenhado alguns glifos e inseridos outros, de meus próprios estudos entre alfabetos antigos e glifos reinventados nos tempos contemporâneos. Os tais glifos, reproduzidos por mim,  foram perdidos num trem que ia de Paris para Viena, em maio de 1991, por descuido de um agente que os levaria para serem decifrados por um rabino austríaco interessado no assunto. Outros foram encontrados em rolo de algodão cujo carbono ainda não foi testado, mas cujos resquícios podem indicar minha própria tela extraviada. Em razão de ter tirado do baú esses escritos que convergem no tema da tese, faremos hoje uma adaptação mais pobre do experimento, dentro dos parcos recursos obtidos junto ao PPGEDU, do qual apenas nos restam as reproduções dos glifos e, por sorte, o elemento condutor. Tenho certeza de que se trata dessa pena de águia polar guardada em estojo lacrado pelo afortunado Alberto Herculano, que em sua desocupação foi quem buscou as encomendas póstumas que deviam ser recebidas por Guairu, sendo essa pena, a única remessa do Ms. Momeni Lamax, a que tudo indica, comercializador desse tipo de produto, extraído do animal mais próximo do que poderíamos compreendar como abóboda do planeta.  

O experimento

1.     Permite que o pensante, no caso o doutorando, VISIBILIZE as imagens que sua tese movimenta
2.     Produz o discurso que tece a imagem de pensamento daquele que pensa, no caso em questão aquele que pesquisa, e enuncia os planos que a constituem
3.     No caso de uma defesa de tese cria no examinador uma escrileitura dissonante que dá ao público a simetria entre a leitura do exame e a escrita defendida
4.     Sem informar o que há exatamente na tese, lança dados necessários para que os conceitos em jogo operacionalizem a sessão de trabalho – FUNÇÃO DIDÁTICA da máquina de ler pensamentos
5.     Uma máquina de pensar, uma vez ativa, elimina a função anterior. Não há como ensinar, aprender ou operacionalizar conceitos que não estejam implicados nas imagens fisiológicas que a leitura e a escrita movimentam.

Para a testemunha ocular

 Concentrar-se nas  analogias livres, nos diagramas disfuncionais e nas formas de expressão e conteúdo que substancializam o texto.

Para aquele que se submete ao experimento, no caso, o doutorando

  1. Colocar os cotovelos na mesa
  2. Estar com os dois pés no chão
  3. As mãos devem estar ao alcance dos cartões
  4. Os olhos postos nas cartelas
  5. O condutor tem que ser colocado o mais próximo possível da abóboda craniana (qualquer semelhançaa com indígenas não é mera coincidência)
  6. Retira-se um cartão
  7. Considerar que conhecimentos indiciários prévios não indicam nada.
  8. Fazer uma relação gráfica > escolher um glifo nas cartelas que possa ter alguma analogia com o grafismo do cartão.
  9. Escutar seu pensamento pela boca do experimentador.
  10. Compreender o que não se sabe de seu próprio pensamento.
  11. Ler o que o OUTRO pensa sobre o seu pensamento.



REALIZAÇÃO

Esse intelecto tende mais para iniciações do que para finalizações. Ele tenta esgotar seu tema, mas seu tema o esgota e não é concluído nunca. Mesmo que ele queira, sua leitura nunca consegue ser acelerada, pois a perigrafia dessa aventura intelectual exige pausas para o pensamento ser elaborado. Pensar é laborioso e o labor, em sua falta de sentido, nos faz rir. O que interessa é “a intensidade e a potência de um movimento do pensar em função de uma criação”(p.101), que se dá no automatismo do intelecto frente a plurivocidade de pistas. Seguir pistas e procurar decifrar o que não resolve é a maior das comédias. Temos imagens fragmentadas que o discurso procura criar uma coesão existencial que, na medida que potencializamos uma educação, aprendemos que é impossível. Trata-se de mostrar como a dissensão do pensamento, que é a sua própria expressão (p.161), sendo que o que se exprime em nada parece com o que se pensa. Sua tese defende “a presença de uma potentia como o conatus spinoziano (potência via uma doutrina dos afetos ou um esforço de autopreservação no ser) afirmando uma produtividade possível sem mediação”(p. 60-61), sem visar “produzir deciframentos ou apresentar resultados”(p.62). Chama de educação potencial  “uma atenção ao que pode a Educação como ação da inteligência, ou seja, o que pode a Educação ao modo de querer provocar um riso ético, um riso de um homem dito livre, um riso benevolente vindo de uma ação de alegria”(p.67). Essa “Educação Potencial não pode estar ao lado do poder, pois poder não é potência. O poder e os poderes estão associados a instituições feitas para afetar as coisas, os corpos, de tristeza” (p.69). Sem poder nada, sai lendo e escrevendo para “experimentar a Educação como superfície de inscrição autovariante”(p.45) para contornar “uma poética filosófica da comédia”(p.47). Uma  “autovariação de si”(p.122) numa escritura que testemunha, atesta esse “eu” construído intelectivamente. Escreve-se para conhecer e não sobre o que se conhece (p.99), assim como pensamos o que não sabemos e não sobre o já sabido. Tudo se resume a um processo que não cria discípulos, pois “nada tem a oferecer”(p.161), afinal o que temos, “são tarefas, apenas tarefas”(p.176). Mesmo que as tarefas sejam o que temos, “alcançar a liberdade seria um meio de reforçar o presente com certa determinação do porvir”(p.57), sendo que o que vem, principalmente na educação, serão sempre novas tarefas.  



A partir dessa súmula, extraímos uma axiomática aberta, sujeita a reformulações e novas formulações na medida que o pensamento avançar demandando novas tarefas:


I

Não há nenhum enigma, apenas as aparições múltiplas daquilo que se cria.

II
Toda e qualquer criação é heterodoxa.

III
O intelecto faz relações gráficas. Pensar configura uma geometrização de intensidades substanciais que remotamente diz respeito ao acúmulo de palavras. Pensar é criar formas. A intensidade substancial  não cabe nas formas e suas funções. Conatus, é força potencial que dura, sem extensão senão aquela que sua própria força vai imprimindo nas superfícies nas quais sua duração inicide.

IV
O pensamento é fisiológico.

V
Pensar pressupõe o automatismo do intelecto.
Essa individuação impessoal sobre si, mesmo comportada num pronome, retorta o ser unívoco em multiplicidades cômicas. Não há poder, nada podemos nas relações de força que, rindo, nos potencializam a criar.  

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