Junto a tese Educação Potencial: autocomédia do intelecto
de Máximo Daniel Lamelá Adó
Foi juntando as folhas soltas de minha
ultrapassada e esquecida tese, numa limpeza de escritório onde trinta e sete
mil quinhentas e vinte e nove páginas nunca publicadas foram jogadas fora, que encontrei algumas anotações
extraídas na limpeza dos porões da antiga prefeitura, antes desses se tornarem
galeria de arte. Ali havia um manuscrito, a conferir se hoje encontra-se no
Arquivo Municipal, cujos desenhos, por se parecerem com alguns glifos que me
foram mostrados por serem iguais aos signos gráficos presentes em trabalhos que
vinha desenvolvendo, intuitivamente, no curso de graduação. Não estou
autorizada a referir o funcionário que quebrou o protocolo com a permissão de
meu manuseio, a quem muito agradeço hoje. Pelo caráter sincrônico dessas notas, não
foram colocadas fora com todas as pilhas de papel acumuladas em quase quarenta
e três anos de vida. Ao passar minhas “férias”
com a tese de Máximo Adó, tomando conhecimento das conversas entre os
professores Dumolin e Hickey e avivando a referência ao livro de André Maurois,
tais anotações se mostraram de grande valia, oferecendo a possibilidade de
colocar em prática um experimento abandonado há doze dias, quatro meses e vinte
e um anos. Esse vai de encontro com a tese no que diz respeito a criação de “uma
nova imagem do ato de pensar”(p.91), servindo para levar adiante o debate de
que as palavras “seriam mais nítidas do que as imagens”(p.89), sendo que, sem
pretensões, o experimento pode provar exatamente o contrário.
O manuscrito que o descreve é assinado por
um tal Daniel, de apelido local o Guairu, visto se comunicar com vários
indígenas (informação que obtive no diário de meu próprio bisavô, Alberto
Herculano Menna Barreto que por vezes tomava notas das peculiaridades
encontradas no seu cotidiano, sendo Guairu uma verdadeira aberração fonética
nos cafés do Mercado Público onde meu bisavô, sortudo que nunca precisou
trabalhar, costumava gastar os dias).
Sem nenhum indício de seu verdadeiro sobrenome, sabe-se que Guairu era um judeu que aportou em
1885 numa Porto Alegre sem sinagogas. As características do papel, da pena e da grafia, datavam do início do século XX,
sendo que haviam dois tipos de papel e o mais antigo, contendo a explicações em
francês sobre as combinatórias da leitura de pensamentos talvez fosse escrito
por outra pessoa. Não me detive nos circunlóquios biográficos escritos em
espanhol de como esse Daniel havia chegado no fim do mundo para agonizar nessa
cidade tacanha. Fato é que antes de morrer tinha que repassar as descobertas de
um antepassado seu, perdido pelo Brasil colonial, que decodificou uma escrita
supostamente tupinambá em cascos de árvores conservados em urnas funerárias no
que hoje vem a ser o sítio arqueológico de Araruama. A partir de manuscritos
enviados à França no início do século XVIII, Guairu narrava que uma experiência
de ler pensamentos a partir de relações cabalísticas feitas entre a quase
imperceptível grafia ameríndia e o alfabeto hebraico, foi realizado por um tal Jacó Tionet, em Paris. Situo esse experimento na
decadência das artes combinatórias, talvez ignorando a dióptrica de Descartes,
mas por coincidência espaço- temporal, com alguns traços a ela relacionados: “todo
ato da visão, é, em realidade, um juízo intelectual do sujeito pensante”
(p.93). A lógica é a mesma da câmera escura, sendo que a câmera, no caso, estaria dentro da
própria abóbada craniana. O experimento
foi possível porque junto ao suposto alfabeto ameríndio, o egípcio Nida Elmela
teria enviado de algum lugar não situado nas margens do Mar Morto reproduções
de glifos anteriores ao hebraico como a história o estruturou, que sequer podem
ser reconhecidos como hebraico arcaico. São essas as imagens que Jacó Tionet
organizou e testou como passíveis de imprimirem fisicamente as linhas do intelecto
daquele que as toca na fala do experimentador. Posteriormente ao experimento de
Tionet, Guairu cita a tese romântica do Dr. Mamodo Axima, nascido Cipriano de
mãe afeganistã e pai grego, que defendeu na universidade do Cairo um modo de
“pormenores lacônicos de longa projeção” (p.51) expressarem pensamentos que por
ventura tomamos como abstratos, mas cujos traços muito bem se colocam em
imagens simples com potencial de os condensarem. Já encontrei uma referência a
essa tese num artigo de Ado Doel, hoje
estrategicamente indisponível na web,
sobre a possibilidade de Axima ter descoberto a linguagem binária e jamais ter
sido reconhecido por isso. Fato é que
Guairu anotou os glifos e as premissas desenvolvidas por Axima, explicando,
ainda que somente o Sr. Momeni Lamax poderia reproduzir o experimento, visto
esse prescindir a cadeira de veludo verde que pertenceu a Tionet, mas
necessitar de um elemento condutor que apenas Lamax, até aquele momento, tinha
em mãos. Aí parei minhas anotações, ainda que tenha redesenhado alguns glifos e
inseridos outros, de meus próprios estudos entre alfabetos antigos e glifos
reinventados nos tempos contemporâneos. Os tais glifos, reproduzidos por mim, foram perdidos num trem que ia de Paris para
Viena, em maio de 1991, por descuido de um agente que os levaria para serem
decifrados por um rabino austríaco interessado no assunto. Outros foram encontrados
em rolo de algodão cujo carbono ainda não foi testado, mas cujos resquícios
podem indicar minha própria tela extraviada. Em razão de ter tirado do baú
esses escritos que convergem no tema da tese, faremos hoje uma adaptação mais
pobre do experimento, dentro dos parcos recursos obtidos junto ao PPGEDU, do qual
apenas nos restam as reproduções dos glifos e, por sorte, o elemento condutor.
Tenho certeza de que se trata dessa pena de águia polar guardada em estojo
lacrado pelo afortunado Alberto Herculano, que em sua desocupação foi quem
buscou as encomendas póstumas que deviam ser recebidas por Guairu, sendo essa
pena, a única remessa do Ms. Momeni Lamax, a que tudo indica, comercializador
desse tipo de produto, extraído do animal mais próximo do que poderíamos
compreendar como abóboda do planeta.
O
experimento
1. Permite que o pensante, no caso o doutorando, VISIBILIZE as imagens que sua tese movimenta
2. Produz o discurso que tece a imagem de pensamento daquele que pensa, no caso em questão aquele que pesquisa, e enuncia os planos que a constituem
3. No caso de uma defesa de tese cria no examinador uma escrileitura dissonante que dá ao público a simetria entre a leitura do exame e a escrita defendida
4. Sem informar o que há exatamente na tese, lança dados necessários para que os conceitos em jogo operacionalizem a sessão de trabalho – FUNÇÃO DIDÁTICA da máquina de ler pensamentos
5. Uma máquina de pensar, uma vez ativa, elimina a função anterior. Não há como ensinar, aprender ou operacionalizar conceitos que não estejam implicados nas imagens fisiológicas que a leitura e a escrita movimentam.
Para a testemunha
ocular
Concentrar-se nas analogias livres, nos diagramas disfuncionais
e nas formas de expressão e conteúdo que substancializam o texto.
Para aquele que se
submete ao experimento, no caso, o doutorando
- Colocar os cotovelos na mesa
- Estar com os dois pés no chão
- As mãos devem estar ao alcance dos cartões
- Os olhos postos nas cartelas
- O condutor tem que ser colocado o mais próximo possível da abóboda craniana (qualquer semelhançaa com indígenas não é mera coincidência)
- Retira-se um cartão
- Considerar que conhecimentos indiciários prévios não indicam nada.
- Fazer uma relação gráfica > escolher um glifo nas cartelas que possa ter alguma analogia com o grafismo do cartão.
- Escutar seu pensamento pela boca do experimentador.
- Compreender o que não se sabe de seu próprio pensamento.
- Ler o que o OUTRO pensa sobre o seu pensamento.
REALIZAÇÃO
Esse intelecto tende mais para iniciações do que para
finalizações. Ele tenta esgotar seu tema, mas seu tema o esgota e não é
concluído nunca. Mesmo que ele queira, sua leitura nunca consegue ser
acelerada, pois a perigrafia dessa aventura intelectual exige pausas para o
pensamento ser elaborado. Pensar é laborioso e o labor, em sua falta de
sentido, nos faz rir. O que interessa é “a intensidade e a potência de um
movimento do pensar em função de uma criação”(p.101), que se dá no automatismo
do intelecto frente a plurivocidade de pistas. Seguir pistas e procurar
decifrar o que não resolve é a maior das comédias. Temos imagens fragmentadas que
o discurso procura criar uma coesão existencial que, na medida que
potencializamos uma educação, aprendemos que é impossível. Trata-se de mostrar
como a dissensão do pensamento, que é a sua própria expressão (p.161), sendo
que o que se exprime em nada parece com o que se pensa. Sua tese defende “a presença de uma potentia como o conatus spinoziano (potência via uma doutrina dos afetos ou um
esforço de autopreservação no ser) afirmando uma produtividade possível sem
mediação”(p. 60-61), sem visar “produzir deciframentos ou apresentar
resultados”(p.62). Chama de educação potencial
“uma atenção ao que pode a Educação como ação da inteligência, ou seja,
o que pode a Educação ao modo de querer provocar um riso ético, um riso de um
homem dito livre, um riso benevolente vindo de uma ação de alegria”(p.67). Essa
“Educação Potencial não pode estar ao lado do poder, pois poder não é potência.
O poder e os poderes estão associados a instituições feitas para afetar as
coisas, os corpos, de tristeza” (p.69). Sem poder nada, sai lendo e escrevendo
para “experimentar a Educação como superfície de inscrição autovariante”(p.45)
para contornar “uma poética filosófica da comédia”(p.47). Uma “autovariação de si”(p.122) numa escritura
que testemunha, atesta esse “eu” construído intelectivamente. Escreve-se
para conhecer e não sobre o que se conhece (p.99), assim como pensamos o que
não sabemos e não sobre o já sabido. Tudo
se resume a um processo que não cria discípulos, pois “nada tem a
oferecer”(p.161), afinal o que temos, “são tarefas, apenas tarefas”(p.176). Mesmo
que as tarefas sejam o que temos, “alcançar a liberdade seria um meio de
reforçar o presente com certa determinação do porvir”(p.57), sendo que o que
vem, principalmente na educação, serão sempre novas tarefas.
A partir dessa súmula, extraímos
uma axiomática aberta, sujeita a reformulações e novas formulações na medida
que o pensamento avançar demandando novas tarefas:
I
Não há nenhum enigma, apenas as aparições múltiplas daquilo
que se cria.
II
Toda e qualquer criação é heterodoxa.
III
O intelecto faz relações gráficas. Pensar configura uma
geometrização de intensidades substanciais que remotamente diz respeito ao
acúmulo de palavras. Pensar é criar formas. A intensidade substancial não cabe nas formas e suas funções. Conatus, é força potencial que dura, sem
extensão senão aquela que sua própria força vai imprimindo nas superfícies nas
quais sua duração inicide.
IV
O pensamento é fisiológico.
V
Pensar pressupõe o automatismo do intelecto.
Essa individuação impessoal sobre si, mesmo comportada num
pronome, retorta o ser unívoco em multiplicidades cômicas. Não há poder, nada
podemos nas relações de força que, rindo, nos potencializam a criar.
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