terça-feira, 4 de julho de 2017

FRÁGIL, conceito de 2009, escritos nunca antes publicados...

Quando uso o termo FRÁGIL brinco. Porque sabemos que dar qualidade a qualquer coisa é sempre correr o risco de se equivocar. Frágil é um adjetivo. Mas também é um alerta nas caixas dentro das quais coisas que prezamos permanecerem inteiras são guardadas. De algum modo este alerta se torna um signo. FRAGIL indica a condição mesma de um objeto, embora o que se tenha é apenas uma caixa. CUIDADO. Há um conteúdo precioso, mesmo que sejam apenas ovos. Frágil, portanto, está implicado num valor. Valor, bem sabemos quando acondicionamos uma porcelana ordinária tão cara a nossa alma, que passa longe de estimativa monetária e do valor mercantil a que qualquer corpo ou objeto se submete. O valor daquilo que pode ser frágil, como bem sabemos que é a vida, passa longe de preços, pois é um apreço que somente nosso pensar e aquilo que nos faz bater o coração pode exprimir.
Desapego é o que tentamos quando algo querido se espatifa. Nem sempre é fácil, afinal, nos apegamos no pressentimento da eminente extinção daquilo que queremos. A poesia desse FRAGIL mostra exatamente isso: cuidado, embale, carregue com atenção.
Ventre prenhe.
Respiro. Há algo mais frágil do que os alvéolos? As doenças nos colocam numa relação com a fragilidade da vida. Na impermanência da carne acumulamos nossos arquivos. Os que não querem provas da nossa paixão talvez destruam tudo. Mas nossa paixão resiste em arquivos que nem são nossos. Quem ama sangra e isso de alguma forma sempre volta. Num amor exaurido de forças, cheio de valor, num apreço sem tamanho, em forças sem dimensões. Pode se dizer que amor assim é forte, mas o que dele temos não passa de carne famélica por eternidade. E se eternizar pelos outros é o destino de todo e qualquer amor. Seja gerador de filhos, seguidores ou leitores ocasionais. Amor entre corpos, amor que nem sempre está perto da carne, amor que faz da carne texto. Mordo a língua para sentir a consistência muscular abaixo da pele aveludada.
Devia começar com a fragilidade do que fica entre. E não é bem uma coisa e nem outra. Os críticos acham isso muito vanguarda, mas estar entre dispõe o corpo a cair nos abismos que cortam um campo de outro. No meu caso, a arte e a educação. Por mais pontes que existam nessas áreas, aquilo que as sedimenta é completamente diferente. Podemos partir de qualquer tempo da história da civilização e ver como se vivia a arte, encontrar diferentes conceitos de arte, e perceber como a educação se fazia somente em função do desenvolvimento de artes. Mas hoje, institucionalizada, a educação tende a se configurar longe das artes, da cultura, da vontade que cria. Obrigatória, submete quase toda população mundial num modo de vida escolarizado, confinado a decorações e condecorações na maior parte das vezes inexpressivas e inúteis. Mas as escolas estão aí, as instituições educacionais são modelo de civilidade e progresso social, ficar longe delas e não fazer nada para mudar seria covardia demais para quem a Educação compete.
O que vem a ser educação não é algo tão fácil de responder, assim  como o que vem a ser arte.
Única coisa que um artista sabe é que melhor seria só fazer artes.
E uma saraivada de mitos cai nos slogans toda hora: “ninguém vive de arte”, “arte não serve para nada”, “arte só vale para entendidos”, “a obra só existe se houver público”.
Quem escolhe ser professor?
É uma falta de lugar. Essa que todo mundo que vive, principalmente quando num planeta os números da população começam a ficar desproporcionais à quantidade de área. Espaços possíveis de serem habitados, lugares onde é possível viver.
Territórios, se fossemos usar o conceito de Deleuze e Guattari. Aqui, mais que política, esse lugar de vida é poiesis. Tem a ver com o conceito de dobra, o conteúdo da expressão, o desenvolvimento de um estilo e uma série de coisas que dizem da arte, da vida e da educação. Porque somos educados, não apenas nas escolas, a viver em determinados tipos de espaços. São espaços públicos, institucionais, domésticos, mais ou menos perto de elementos da natureza, construídos de diversas maneiras, apresentando estilos de arquitetar e modos de vida. Marcados pelo tempo dividido em horários e períodos, que podem variar, mas mantém um ritmo de preenchimento de populações específicas em determinados espaços, como os urbanos, configurados pelo trânsito de uma quantidade de corpos e os espaços de circulação restrita, como prédios públicos e edificações privadas, onde seríamos capazes de listar os corpos encontrados. Essência da percepção humana, podemos encontrar fragilidades em todos os espaços. Frágil é sempre o humano à mercê de seus fluxos.
Não trato de territórios, embora esse lugar frágil dessa concepção se aproxime, porque o que falha aqui não trata de combates, dominação de uma língua, análise de discursos. Trato de uma prática e essa, ainda que viva no institucional, não vive senão em espaços ínfimos como caixas, malas, gavetas, armários, arquivos. Coisas que se guardam.  Frágil é abrir pastas para preparar uma aula. Não que pesquisar nos livros seja algo mais forte. Na percepção das coisas em certos espaços a única força que faz valer é suportar a falta completa de espaço. Existe algo mais frágil e sujeito à extinção do que o arquivo que exige uma conservação rigorosa e que está ocupando espaço pelo que ansiamos como novidade?

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