segunda-feira, 13 de outubro de 2008

crônica

Não queira morrer. Por mais revoltante que seja estar no meio da multidão bestial que paga vinte reais por pedaços de plásticos espúrios somente porque piscam no escuro ou estampam o bichinho propagado tiranicamente por grandes corporações travestidas de felicidade. Bem no dia que você acordou a revelia de seu sono porque era hora de dar ração para o cachorro isento de pulgas que além de tudo te escraviza em horários e hábitos que teu corpo não tem a menor vontade de seguir. Assim como as crianças que governam a vida quase anulada das mães. Que acabam abandonando as convicções ecosóficas porque a pressão do sanduíche insosso acompanhado de brinquedo vence a resistência de quem cansado de servir e atender pessoas torna-se incapaz de enfrentar a crise que os desagrados em uma criança traz. Pais terrivelmente incomodados com o modo como as coisas são tentam estar fora do esquema geral, mas tudo os provoca a ceder. E então você está lá, no meio da multidão crédula de magia espetacular comprada a um sexto de salário mínimo. Levando banho de refrigerante porque ninguém presta atenção em quem sentou na arquibancada da frente. Pensando no absurdo em que se tornou sua vida de tostões extorquidos cada vez que você estaciona o carro. Nos incansáveis pedidos de gente em sinaleiras. Nos desconfortos e insatisfações generalizadas e tudo o mais que te impede de dormir, de gozar e simplesmente aproveitar um pôr-do-sol. Sofrendo a impossibilidade de morrer, já que não apenas filhos, animais de estimação, entes queridos e alunos contam com você, mas principalmente os fabricantes de todos produtos, medicamentos e porcarias que você, seus filhos e bichos consomem, que iriam ficar furiosos se todos nós deixássemos nos levar por Deus ao invés de ficar alimentando empresas lucrativas que vendem o “bem” da humanidade.

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